O centro de pesquisa sobre Angola CEDESA admite que o país corre riscos de se tornar uma “anocracia”, onde a probabilidade de guerra civil cresce, se não fizer reformas profundas, começando por uma nova Constituição.
“Numa situação habitual, a agitação e tensão que se sentiu nos meses que precederam as eleições gerais de agosto de 2022 em Angola, teria dado lugar à normalidade e tranquilo funcionamento das instituições até ao seguinte ato eleitoral, a ocorrer em 2027”, refere o Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África (CEDESA) numa análise, a que a Lusa teve acesso.
Mas não foi isso que aconteceu após as eleições de 2022 em Angola. “As fortes clivagens que se sentiram e aquela espécie de contenda quase global que existiu até agosto não parece diminuir, criando uma situação de constante agressão, sem um fim à vista no presente sistema”, afirma o grupo de académicos.
Com o partido do governo, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) a sentir-se “embaraçado em levar avante as suas anunciadas reformas”.
Para o CEDESA, “é como se o partido não fosse um, mas dois partidos”.
“Uma massa partidária está insatisfeita com as mudanças propostas, queria que João Lourenço fosse apenas um gestor mais hábil do que José Eduardo dos Santos, mas não que introduzisse reformas de fundo, outro sector pretende que sejam tomadas efetivas reformas e sente-se incomodado com a eventual lentidão dessas reformas. Têm a noção que sem um profundo processo reformista, Angola se pode transformar num Estado sem futuro”.
Assim, o grupo de académicos considera haver neste momento “uma forte instabilidade”, em Angola, por razões diversas, e “nos partidos que formam a sustentação do sistema político”.
Com este cenário, “a Assembleia Nacional não parece ser uma câmara deliberativa do sentir da nação, mas um mero palco duma disputa mais alargada, tornando-se num meio e não num fim, retirando-lhe o peso soberano que lhe seria inerente”.
Como se isto não bastasse, o CEDESA acrescenta que surge a justiça “com um registo mais atemorizador”, sublinhando que “aquele que é o pilar básico de um Estado Democrático de Direito oferece mais dúvidas do que certezas”.
“No combate à corrupção, com honrosas exceções, o sistema judicial tem-se pautado “pela ineficiência e lentidão, não se percebendo já para onde caminha esse programa estruturante do Estado”, realçou.
Também porque, em Angola, “pensou-se num tribunal [Supremo] à americana para funcionar à portuguesa”.
E uma “estrutura leve e que apenas se dedicava a um pequeno número de processos teve de se defrontar com a tarefa de ser um tribunal habitual de recurso para uma miríade de casos”. O que na opinião do CEDESA “só podia dar mau resultado, como deu”.
Além “da disfuncionalidade do desenho constitucional”, o CEDESA refere que tem-se entendido em Angola que os juízes do Tribunal Supremo “não têm a preparação adequada para lidar com as complexidades do crime económico-financeiro”, por não se terem deparado, ao longo da sua carreira, com essas questões “ao nível sofisticado a que têm estado a aparecer” e isto, “tem levado a algumas decisões muito criticadas e a grande mora processual”.
Pelo que “toda esta situação, um pouco difusa, mas cujos sinais abundam, podem tornar o país numa anocracia”, afirma o CEDESA, definindo o conceito como “um regime instável, que combina elementos de autoritarismo e democracia” e alerta que a “existência duma situação anocrática aumenta a probabilidade de uma guerra civil”.
“É fundamental um novo ciclo histórico com uma nova estrutura”, reforçam os académicos, defendendo que a primeira medida “é estabelecer uma nova constituição”, porque a atual, de 2010, “não é consensual e, até certo ponto, é um equívoco jurídico desenhado para agradar aos desejos pessoais de José Eduardo dos Santos”, considera.
Por isso, o “fundamental será propor uma nova constituição mais angolana e mais protetora das instituições, que marque um recomeço” aponta.
Para a Cedesa, “essa nova Constituição deveria abordar aspetos tão diferentes como a possibilidade de eleição separada (direta ou indireta) do Presidente da República, conferindo-lhe uma legitimidade própria e garantindo que o Presidente se apresente como um líder nacional e não um líder partidário”.
Além disso, a Lei Fundamental do país deveria “permitir a criação de uma segunda câmara legislativa composta pelas autoridades tradicionais [permitindo a introdução de vozes diferentes e plurais no processo legislativo, recuperando a cultura africana], a introdução de mecanismos de democracia militante, como tem a lei fundamental alemã”, sugere.
Fonte: Notícias ao minuto