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A ansiedade dos funcionários públicos pelo novo ajustamento salarial anunciado

Por outras palavras, o incremento salarial que se aventa não resulta do aumento da produtividade do trabalho da economia, esse incremento corresponde a uma emissão monetária em vazio, cuja consequência imediata é o aumento de preços gerais na economia, ou a subida da inflação. As pessoas vão precisar de desembolsar mais dinheiro para comprar o mesmo cabaz de mercadorias que adquiriam em períodos anteriores. Aliás, o aumento da despesa pública do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2025 em 35%, se comparado ao ano precedente, resultado também das novas unidades orçamentais, resultantes da nova Divisão Político-Administrativa (DPA), vão corresponder ao aumento da despesa sem o correspondente aumento da criação da riqueza. Quando tal acontece, o aumento do consumo, que força o aumento da massa monetária, que não tem a correspondência da produção que essa massa monetária deve comprar, resulta em inflação.


A meta de 16,6% da inflação, projectada para 2025, é, decerto, uma miragem. Sem ser pessimista, nem extremista, creio que nenhum economista sensato, nas actuais condições, em que 49,21% da despesa destina-se a honrar os compromissos com a dívida pública e o aumento da despesa pública, acredita que essa meta possa ser atingida! A inflação, como referi anteriormente neste espaço, é um imposto escamoteado e injusto, que dilacera o poder de compra dos consumidores, corrói o valor dos activos. Como a economia é uma engrenagem, como também o tenho referido repetidamente, tudo vai ficar afectado. Se os consumidores não têm o poder de compra, quem vende também reduz as suas receitas, a consequência imediata é a redução na utilização dos recursos, incluindo os humanos. Até o agente económico Estado também fica penalizado. As empresas colapsam, deixando de pagar impostos (Imposto Industrial, Imposto sobre Valor Acrescentado, Imposto de Selo, etc.) e os trabalhadores vão para o desemprego, deixando, não apenas de pagar Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), como passam a condição de mendigos. Segundo constou, a Huíla perdeu, nos últimos 4 anos, mais de 2 mil micro e pequenas empresas.
As altas taxas de inflação são extraordinariamente prejudiciais para o crescimento económico, na medida em que, pressionam as taxas de juro para cima, inibindo o apetite para o investimento. Uma taxa de juro de 25% não viabiliza investimentos na agricultura, ou na indústria, onde as taxas de retorno do investimento são próximo de 10%. Dir-se-á que existe o Programa de Apoio ao Crédito (PAC) que subsidia juros, o Fundo de Garantia de Crédito (FGC) e o Aviso n.º 10/22 do Banco Nacional de Angola, todos, visando o apoio ao investimento. No entanto, a verdade é que a burocracia em torno do processo de candidatura para o acesso a esses instrumentos de financiamento de projectos de investimentos é intransponível, o que inibe o investimento. O que o País precisa é de um impulso no crescimento económico, dinamizando o sector agro-pecuário, envolvendo os produtores nacionais, o que vai aumentar a produção e, essencialmente, deixar dinheiro no bolso dos produtores, que são os consumidores de produtos manufacturados, sejam eles alimentares de alto consumo ou industriais. Sem incentivos que atraiam as populações nas zonas rurais, onde possam trabalhar os campos, não haverá aumento de produção que consiga conter as altas taxas de inflação.
Adicionalmente, as altas taxas de inflação, que nos acompanham já há 10 anos, sem nos reportarmos à hiperinflação da década de 1990, com o Novo Kwanza e o Kwanza Reajustado, são inimigas da poupança. Em ambientes inflacionistas, as pessoas procuram proteger as suas poupanças, investindo em património, particularmente imobiliário (casas e terrenos), ou ainda em animais (gado, no caso do Sul de Angola), em vez de depositar as poupanças no banco, que mesmo com alguns incentivos, os poucos que conseguem poupar, preferem usar outros esquemas de proteger as suas poupanças. Sem poupanças, não há recursos temporariamente livres que possam ser utilizados por aqueles que têm iniciativas de negócios, mas que enfrentam limitação de capital para financiar as suas iniciativas de negócio. Sem investimento, não há crescimento económico, e estaremos todos os anos a ter muita gente a lutar para um bolo cada vez reduzido, para agravar a situação, incrementa-se a despesa que não tem a correspondente contrapartida de financiamento.
O incremento salarial vai, igualmente, no meu entender, criar uma ilusão no mercado do trabalho, porquanto os trabalhadores do sector privado estão à espreita de aumentos, ou vão pressionar por aumentos salariais, como a produtividade não se alterou, o que o sector privado vai fazer, uma vez que não pode imprimir dinheiro como o Estado, é adequar a sua força-de-trabalho à sua estrutura operacional, despedindo os colaboradores marginais. Portanto, creio que também haverá redução de trabalhadores no sector privado, aumentando ainda mais a já elevada taxa de desemprego (30,8%). O aumento fictício dos salários vai provocar uma sangria de empregos no sector privado que não terá capacidade de competir com o Estado.
Recentemente, o The Economist publicou um relatório que traça um quadro sombrio da perspectiva de crescimento económico do continente africano até 2030, fazendo algumas referências pontuais à Angola, apontando os principais obstáculos no caminho da prosperidade dos países africanos. Entre os estrangulamentos apontados estão a instabilidade macro-económica, as frágeis infra-estruturas (estradas, disponibilidade de água e electricidade) e as debilidades nos sistemas de saúde e educação. O relatório faz uma asserção, com a qual, estou completamente de acordo, quando refere que um dos obstáculos, talvez o mais significativo, é que “os Estados africanos são muitas vezes incapazes de fazer as coisas que um Estado deve fazer, ao mesmo tempo que fazem muitas coisas que não deveriam”. Estou lembrado de quando nos anos 2000 foram criadas as lojas “Nosso Super e Poupala”, ouvi e li justificativas por que é que naquela altura se achava que fazia sentido o Estado deter, mais uma vez, estabelecimentos comerciais para vender bens alimentares ao povo (pelos vistos, foi meramente uma decisão eleitoralista, aproximavam-se as eleições de 2008). Os resultados todos conhecem, as lojas faliram mais de três vezes e estão, hoje, sendo privatizadas no quadro da PROPRIV, entregando-as a quem, de facto, cabe desenvolver este tipo de actividade.
A pretensão de reposição do poder de compra por parte da entidade patronal, que neste caso é o Governo, é compreensível, considerando o incremento de 25% do salário da função pública, tendo em conta a depreciação do Kwanza, associada à inflação de custo, passada dos produtos importados! Porém, o que as pessoas não podem deixar de se perguntar é de onde é que vem o dinheiro para contrapor o incremento? Estamos a exportar mais petróleo e diamantes? Ou ainda estamos a produzir mais milho, feijão, café, sisal, etc.? Ou são ganhos, porque deixamos de importar açúcar, arroz e outros produtos básicos, que nos viciámos a importar? Qual é a fonte do dinheiro do incremento dos salários da função pública? Se a resposta não for porque a economia passou a produzir mais e por isso temos mais dinheiro para pagar a despesa, então, as consequências são as que procurei demonstrar neste texto, lembrando os dias sombrios da economia angolana dos anos 1990 e no virar do século XXI. Muitos homens e mulheres de hoje não viveram este momento, portanto, não se recordarão. Que não se pense que estou contra o ajustamento salarial! Longe disso! Mas, a engrenagem económica obriga-me a fazer uma análise ponderada e prever com objectividade as consequências dessa decisão, reflectindo nas consequências dessa medida na economia em geral. Vale referir que o aumento da despesa pública é o somatório de um sem número de medidas irreflectidas, de decisões, quer de ordem política (nova Divisão Político-Administrativa do País), quer económica, constante do OGE de 2025.
O bilionário americano Ray Dalio, na sua obra “How Countries Go Broke: Como os Países Entram em Falência” explica a ratoeira da dívida pública, levando os países à falência ou à banca rota. Debruça-se sobre os ciclos da dívida de curto e longo prazo e a apetência do consumo, de destinar o dinheiro para satisfazer desejos e necessidades. Partindo do pressuposto de que a despesa de um é receita do outro, e que o activo de um é passivo de outro, cria-se uma interligação, fazendo com que a intensidade com que ocorrem as transacções cria ciclos. Mesmo do ponto de vista singular (pessoas, famílias), as empresas ou as nações entram em banca rota quando gastam mais do que recebem. Se uma empresa não factura o suficiente para cobrir os seus custos operacionais, vai à falência. O mesmo acontece com os países, quando se gasta mais do que as receitas públicas que colecta, a dada altura, vai incumprir com as suas obrigações, o que os economistas chamam de insolvência. Se definirmos a insolvência como sendo o estado de uma entidade singular, ou colectiva, incapaz de honrar as suas obrigações para com os seus credores, então, diríamos que o País, há muito, está em situação de insolvência! Porquanto, incumpre as suas obrigações para com os seus fornecedores de bens e prestadores de serviços. Se inspeccionarmos o número de projectos de obras públicas iniciadas e paradas em todo o País, fica-se com a clara ideia de que o Estado tem sérios problemas de solvabilidade, está insolvente. Refere Ray Dalio que, “em termos mais simples, uma dívida é uma promessa de entrega de dinheiro. Uma crise de dívida ocorre quando há mais promessas feitas do que dinheiro para as cumprir. Quando isto acontece, o banco central é obrigado a escolher entre a) imprimir muito dinheiro e desvalorizá-lo ou b) não imprimir muito dinheiro e ter uma grande crise de incumprimento da dívida. No final, imprimem e desvalorizam sempre. De qualquer forma, através de incumprimento ou desvalorização, a criação de demasiada dívida acaba por fazer que os activos de dívida (por exemplo, obrigações) valham menos”. Quando se endivida para consumos supérfluos, que não impactam na reprodução da economia, não incrementam a produtividade do trabalho, a capacidade de consumo reduz-se significativamente quando chega o momento de pagar de volta a dívida e o serviço da dívida. Essa é a realidade angolana em que 49,22% da despesa destina-se a amortização e pagamento do serviço da dívida. Então, de onde virá o dinheiro para sustentar o incremento salarial e outras despesas previstas no OGE de 2025? Como sugere Ray Dalio, no final, imprimem, desvalorizam sempre e incumprem com as suas obrigações, os activos perdem valor, não há estímulo para a poupança, a instabilidade macro-económica acentua-se. Concluindo, voltamos onde estávamos antes do ajustamento salarial. Espero bem que esteja errado!

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