O jurista e docente universitário Waldemar José aconselhou as vítimas de abuso sexual a evitarem tomar banho enquanto não for feito o exame directo no laboratório do Serviço de Investigação Criminal (SIC), para não apagar as provas do crime.
Segundo o jurista, um dos factores que contribui para que esses crimes sejam arquivados consiste no facto de, às vezes, o crime ocorreu há dias, semanas, e só depois é que a criança abusada informa os familiares e, depois, se apresenta queixa às autoridades competentes.
“Os vestígios que estavam no interior da menor já se perderam quando for sujeita ao exame directo. Ou seja, já não vão encontrar o espermatozoide no interior da menina e outros vestígios, porque tomar banho apaga todos os vestígios do crime”, disse.
O que se recomenda ao nível da investigação criminal e da Medicina Legal, frisou, é que, tão logo alguém sofra violação, não pode tomar banho enquanto não efectuar o exame directo no laboratório do SIC.
Segundo Waldemar José, docente das cadeiras de Direito Penal e Direito Processual Penal, a maior parte das vezes ocorre o contrário. “Como o processo penal é probatório, tem de se provar tudo. O que se recomenda é que, quando as pessoas forem violadas, devem, imediatamente, apresentar queixa e, em simultâneo, sujeitar-se logo ao exame directo, devido à presença de elementos probatórios que vão acusar, com fiabilidade, o autor do crime”, sublinhou.
O jurista considerou que a falta de cultura de denúncia contribui para que muitos crimes de abuso sexual de menores não cheguem aos tribunais. Waldemar José referiu que sendo semi-públicos, os crimes de abuso ou agressão sexual de menor carecem de denúncia ou queixa para que cheguem ao conhecimento das autoridades competentes.
Parte desses crimes, esclareceu, podem ocorrer dentro de casa, entre familiares, o que faz com que muitos não levem o caso ao conhecimento das autoridades, acabando por resolver o problema internamente entre as famílias. Contudo, depois do crime chegar ao conhecimento das autoridades competentes, não pode legalmente existir desistência do processo.
Código devia prever
mecanismos mais céleres
Quanto à morosidade processual, Waldemar José entende que o Código de Processo Penal devia incluir mecanismos mais céleres para o julgamento de crimes de abuso sexual de menores.
O grande problema, disse, é que a tipologia de processo mais rápido é o sumário e boa parte dos crimes sexuais não admite processo sumário, por terem pena superior a três anos. O processo sumário só pode ser realizado se ao crime couber pena inferior a três anos e houver um flagrante delito. “Mas há outra modalidade, que é o Processo Abreviado que, em 90 dias, determinado caso tinha de ser julgado, mas o grande problema está na pena, ou seja, a pena é até 5 anos”, disse.
Contudo, reconhece ser um problema o facto de que grande parte destes processos serem julgados em processo comum, que pode levar anos, devido a uma série de elementos como diligências, acusação, instrução contraditória e despacho de pronúncia.
Porque os crimes, como em toda parte do mundo, vão sempre ocorrer, por causa da natureza humana, por existirem pessoas com desvio comportamental. Waldemar José aconselha os pais e encarregados de educação a terem mais cuidados com os mais pequenos.
Castração
Waldemar José assume não ser defensor da introdução da pena de castração para os autores de crimes de abuso sexual de menores, além do que isso obrigaria a uma alteração constitucional.
A matriz angolana em termos de aplicação da lei penal tem também influência no direito natural. “Apesar de ser um estado laico, o país é essencialmente um estado com grande influência cristã, onde a política criminal é de ressocialização, reintegração, reeducação social do indivíduo na sociedade. Por isso, não se aplica a medida de castração, um autêntico horror no que concerne à aplicação das penas”, disse.
Aumento da moldura penal
Em relação ao aumento da moldura penal, Waldemar José entende que não é o incremento da pena que vai diminuir a prática de crimes. Justifica que há países que têm pena de morte para determinados crimes, mas nem por isso inibe a ocorrência de crime.
“Há países que têm prisão perpétua no seu ordenamento jurídico, mas ainda assim, os crimes ocorrem”, disse, acrescentando ser importante investir na educação, pois o que se que se pretende é a prevenção do crime.
As penas de prisão, acrescentou, têm como finalidade a perspectiva de prevenção criminal embora não na sua na totalidade. Notou ainda que há países com penas muito baixas e nem por isso têm taxas de crimes elevadas, sobretudo no que se refere a crimes sexuais.
“Há muitos países da Europa que quase não têm práticas desses crimes, independentemente das penas. Temos de investir na educação das crianças nas creches, escolas primárias, nas igrejas, na família, visando a redução desses crimes no país”, apelou.
Pena pode ser agravada se o autor for familiar
Waldemar José explicou que se a menor de 14 anos for abusada sexualmente sem penetração, nos termos do artigo 192.º do Código Penal, a pena vai de 1 a 5 anos de prisão. Mas se houver penetração, a pena vai de 3 a 12 anos. Se for menor de 11 anos, a pena é agravada 5 a 15 anos de prisão. Se a menor tiver acima de 14 anos e for abusada sexualmente sem penetração, a pena vai de 1 a 5 anos, mas se houver penetração (sexo oral, vaginal e anal) a pena vai de 3 a 8 anos.
As penas podem ser agravadas muito mais, se o agressor for um familiar directo como pai, irmão, primo. E pode ainda ser mais agravado caso transmitam uma doença sexualmente transmissível, com o agravamento de um quarto nos limites das penas.
Uma outra questão que permite agravar a pena de prisão é o facto de a vítima ser menor de 14 anos e acabar grávida ou se suicidar por ter sido agredida sexualmente, ou se o caso lhe tenha causado ofensa à integridade física, ou por causa disso, lhe é retirada um órgão que lhe impede de ter filhos, agravando dois terços da pena.