Huambo é uma das províncias cujo brilho na constelação Angola não se confunde. A natureza da sua beleza faz-se realeza na escala encantamento de qualquer ser humano que a contempla.
Até mesmo quem dela sabe apenas pelos relatos descobre-se absorvido, pela terra que já foi chamada de Nova Lisboa. Quiçá terá sido a “mboa” mais boa de Waldemar Bastos. O génio da música angolana exaltou-lhe logo na primeira música do álbum ‘Angola Minha Namorada’, fazendo referência que subiu o Morro Kussava, foi na Chipipa, Alto Hama e deu-lhe um beijo com sabor a loengo. Além das montanhas, dentre as quais a considerada como o ponto mais alto de Angola, o homem mais alto desse país também se encontra no Huambo.
As fotografias de perfil nas redes sociais confirmam a atmosfera de curiosidade que paira sobre as ruas do Huambo quando nelas passa o homem mais alto de Angola. Os munícipes arregalam os olhos como se esse seu vizinho, por assim dizer, estivesse a chegar ou morasse noutro planeta. Os visitantes preferem não confiar no amanhã solicitando, na hora e de queixo a cima, ao mano Henriques, tal qual é denominado pelas pessoas que lhe são mais próximas, para com ele tirar algumas fotos. Até as celebridades vindas de Luanda atingem o zero a fim de eternizar o seu encontro fugaz com ele. A propósito, eu – que procuro expressar sentimentos, visões, lições, preocupações e dúvidas através destas, não sei quantas, combinações das 26 letras do alfabeto – tomei conhecimento da existência do mesmo cidadão pelo alerta de uma celebridade cujo nome não convém precisar agora. Tantos angolanos têm consciência de que de ir ao Huambo sem vislumbrar o homem mais alto de Angola equivale a “ir à Roma e não ver o Papa”. Mas os holofotes que incidem na direcção daquele, não deixam à vista o calvário que carrega desde a meninice. Calvário que, com o passar do tempo, pesa cada vez mais.
Henriques Sokunda, ex-carpinteiro e moto-taxista residente no bairro Calundo, município do Huambo, nasceu na comuna da Catata, município da Caála, em 1984. É dono de um semblante inofensivo tecido pelo cruzamento entre a simplicidade e a mansidão. Teve uma meninice da qual fala isento de encanto:
– “A minha infância foi um pouco diferente, porque eu cresci já grande. Aos 16 anos, eu já calçava com o meu pai”. O natural da Caála, que actualmente mede dois metros e vinte centímetros, de acordo com o respectivo bilhete de identidade, sempre teve uma vivência marcada pela troça anelada à fama incapaz em pagar qualquer conta. Nas escolas onde estudou, escusava ir ao pátio, chegado os minutos de recreio, para não ser abusado por outros alunos.
Na idade adulta, a altura do mano Henriques mantém obediência ao sentido do tempo, insiste em não ceder espaço à regressão. Em muitas ocasiões, as caminhadas do morador do bairro Calundo pelas ruas anunciava aglomerados populacionais que encenavam admirá-lo como meio para zombarem dele. Algumas pessoas tiravam a máscara diante dos olhos dele no momento. Amiúde, não era ele quem reagia aos tais insultos. O seus irmãos faziam por ele, resultando frequentemente em confusão. De modo a evitar situações similares, o homem mais alto de Angola demonstra preferência em andar sozinho por acreditar ser mais paciente em comparação com os seus irmãos. Outras pessoas revelavam o seu verdadeiro carácter a posterior. O mano Henriques confirma ao detalhe afirmando:
– “Há pessoas que vêm tirar fotografias, mas é para fazerem caretas. Mais tarde as publicam nas redes sociais com dizeres ofensivos”. Pelo menos era assim há aproximadamente dois anos.
Os mais atentos já terão dado conta da ausência do mano Henriques, sobretudo nas rotas que fazia com a sua motorizada ou nos locais em que habitualmente comprava matéria prima para o seu ofício, carpintaria. Tal jovem simples, amante da paz, que em 2016 foi a Benguela, a convite de um escritor cujo nome já não se recorda, onde foi apresentado como o homem mais alto de Angola numa feira literária, não sai de casa desde Dezembro de 2021. Em abono da verdade, a denominação dessa estrutura está eivada de imprecisão, pois que se exactamente uma de cubata, que nem se quer pertence ao ex-motoqueiro. A dona dela é a tia dele. Sabe-se que Henriques Sokunda, portador de carta de condução, é batalhador, não gosta de ficar parado. Contudo, a sua altura alcançou dimensões que lhe impedem de “montar” a moto. Para piorar, está padecendo de uma infecção na perna que limita a sua circulação. Sem emprego nem dinheiro para tratar da sua saúde, gozando de uma fama estéril, ele passa dias aos cuidados das dores e da solidão que o empurram paulatinamente a um estado que ninguém poderá reverter, a morte.
Ao ser questionado acerca do que gostaria de dizer a sociedade ou a quem de direito do governo de seu país, o homem mais alto de Angola – amante da leitura cuja preferência recai para ‘O Meu Livro de Pensamentos’, de Victor Hugo Mendes – suspira enquanto olha para o chão, provavelmente à perna enferma, e diz:
– “Muita gente pensa que eu estou bem, mas eu não estou bem, eu estou mal”. Pára por poucos instantes, olha para o céu (onde o sol se esconde por trás das cinzas nuvens como que a fugir responsabilidades) na vã tentativa de impedir que as lágrimas se libertassem dos seus olhos. E continua falando, desta vez com as mãos mais próximas aos olhos: – “A ajuda que eu mais preciso agora é de emprego”.
A solidariedade que nos habituámos a mostrar somente quando alguém falece, especificamente escrever a respeito do falecido, publicar as fotos que com ele tirámos, comentar, reagir e partilhar essas publicações, enviar notas de condolências aos órgãos de comunicação social, contribuir com valores avultados e etc, têm maior serventia e exalam maior nobreza no momento em que quem necessita está vivo.
Fonte: JA