O uso indiscriminado e descontrolado de anabolizantes, através do processo conhecido por “jarda”, tem deixado estragos e apodrecimento, tanto no corpo quanto na vida das pessoas que recorrem a essas substâncias, em busca de ganhos físicos rápidos. O que muitos não percebem é que o preço dessa busca pelo corpo ideal pode ser mais alto do que imaginam.
Segundo a médica de Clínica Geral Ana Terramoto, “jarda” é o termo usado para o aumento de volume dos glúteos(nádegas) nas mulheres.
A médica esclareceu que o aumento dos glúteos acontece devido à introdução de hormónios no organismo e algumas substâncias como o famoso “caldo de tempero alimentar”.
A especialista explicou que para a aplicação da “jarda” são usados vários métodos, desde a aplicação do hormónio directamente nos glúteos, administração de fármacos como Dexacort (C4) por via oral ou pelo canal anal.
A aplicação dessas substâncias, salientou, pode provocar complicações sérias, como problemas renais, respiratórios e cardíacos.
Além dessas complicações, continuou, existem as infecções mais generalizadas, como enfarto do miocárdio (obstrução aguda de uma artéria coronária, que causa náuseas e desconforto torácico com ou sem dispneia ou até mesmo a morte.
Ana Terramoto alertou as mulheres que, enquanto estiverem a usar a “jarda”, é necessário o acompanhamento de um profissional, para melhor auxílio. “Sempre que houver alguma complicação, devem recorrer a um cirurgião ou uma equipa multidisciplinar”, sugeriu.
O organismo humano se adapta às condições que lhe são submetidas. Porém, a especialista realça que a retirada brusca da “jarda” faz com que se desencadeie uma série de complicações, como distúrbios do sono, aumento de peso, alterações do ciclo menstrual e depressão.
Processo de auto-negação
O sociólogo José Ventura definiu a “jarda” como um procedimento que a pessoa adopta como resultado de uma espécie de negação do seu eu, do porte físico, por meio de procedimentos químicos, com a possibilidade de lhe proporcionar um corpo avantajado.
“A ideia da ‘jarda’ remete-nos a uma inversão. No passado, o corpo magro era o corpo ideal, quer do ponto de vista da própria indústria cultural, da imprensa cor-de-rosa, da moda, socialmente era o mais aceite”, explicou.
Actualmente, continuou, as pessoas percebem que o corpo avantajado é o ideal e mais comercial.
“A sociedade considera as mulheres que usam ‘jardas’ como vulgares. Alguém que se coloca em caminhos estranhos em relação à própria sexualidade”, explicou, acrescentado que, na sua maioria, a intenção é de atrair homens e olhares.
No caso de cantoras, continuou, usam a “jarda” para mostrar auto-estima, vantagens e performance em palco.
“Essas mulheres fazem-no em nome do sistema da moda, do estar no topo, ser visível e procurar visibilidade diante daqueles que podem patrocinar e elevar o seu estilo de vida”, salientou.
O especialista referiu ainda que, para essas mulheres, os fins justificam os meios, quando querem atingir um objectivo.
Nestes casos, disse, a educação é um elemento que deve ser chamado para analisar o fenómeno da “jarda”.
“Há pessoas que economicamente estão bem posicionadas, mas preferem usar a ‘jarda’ para se fazerem perceber”, salientou.
A ânsia da busca do corpo perfeito, para ser aceite no círculo que a pessoa pretende atingir, faz com que muitas mulheres recorram a processos informais e inseguros.
“Daí surgem várias consequências. Existem hospitais, em Luanda, com espaços para esses indivíduos que dão entrada, em estado de debilidade física elevadíssima”, disse, acrescentado que o corpo não suporta a carga química.
Formas de tratamento em caso de complicações
Entre as formas de tratamento, em caso de complicações da “jarda”, a médica clínica geral citou o acompanhamento por um psicólogo, prática de exercícios físicos, alimentação regular após a recuperação cirúrgica, acrescentando que, muitas mulheres, acabam deformadas para toda a vida.
“Tudo que é acrescentado ao nosso corpo pode trazer consequências. O nosso organismo é inteligente, tudo o que considera desconhecido, ele combate”, alertou.
Ana Terramoto acrescentou que, dependendo do hormónio usado, poderá ocorrer um desequilíbrio hormonal, atingindo directamente o ovário e o útero, causando irregularidades no ciclo menstrual e distúrbios na saúde reprodutiva.
Consequências disfuncionais
A “jarda” é um assunto que tem tomado proporções alarmantes do ponto de vista da convivência social, pelo facto de as pessoas estarem insatisfeitas consigo mesmas, segundo o psicólogo Emanuel Capita.
Por essa razão, continuou, fazem recurso a serviços estéticos, de forma a colmatar algumas anomalias que elas pensam que têm.
“Esses trabalhos estéticos, que avolumam tanto as nádegas como os seios, muitas vezes por intermédio de injecções, na maior parte dos casos danificam o organismo”, explicou.
Emanuel Capita avançou que, a nível psicológico, mulheres que usam “jarda” sentem-se diminuídas e insatisfeitas com o seu corpo.
“A tendência é fazer tal e qual as outras são, para estar incluída naquele meio”, disse, tendo acrescentado que, desta forma, se diminuem pelo facto de se sentirem completas com as coisas que observam de outras pessoas.
O especialista salientou que a Psicologia não tem o direito de condenar, mas, sim, fazer entender às pessoas que a aplicação da “jarda” traz consequências disfuncionais a curto ou médio prazos.
O psicólogo Emanuel Capita disse que a família é a primeira base de pressão e responsável pela educação dos filhos, embora muitas se encontrem disfuncionais.
“Não basta estarem presentes. Mas, sim, educar os filhos a valorizarem e pensarem nas coisas que têm”, frisou.
Segundo o especialista, na maior parte dos casos, são mulheres de classe baixa que tendem a fazer recurso a configurações estéticas, de forma a adquirir algum tipo de expressão social.
“Estes procedimentos estéticos acarretam doenças que, normalmente, afectam a auto-estima e a mulher sente-se afastada e desvinculada socialmente”, explicou.
Emanuel Capita defendeu a necessidade de haver maior consciência na população, no que diz respeito aos procedimentos da “jarda”.
“Nós, os psicólogos, deveríamos ter espaços de intervenção, no sentido de alertarmos a sociedade que não são os procedimentos estéticos, como “jardas” ou botox, que fazem uma mulher”, rematou.
Fonte: JA