Logo pela manhã cedo, o dono de uma loja de referência em Luanda na venda de mobiliário recebe uma chamada de um potencial cliente que o informa que já esteve no local a ver o material que pretende, anuncia a lista e diz que vai fazer o pagamento de imediato, enviando comprovativo da transferência bancária. Tudo parece normal aos olhos do comerciante, que, face a uma compra avultada, vê o dia começar bem… até que, afinal, se vê embrulhado nesta já bem conhecida forma de burla digital que periodicamente volta a estar “na moda”.
O comerciante que contou à imprensa a sua “aventura” às voltas com um burlador, explica que só face à insistência do indivíduo percebeu que algo não estava bem…
Depois de receber o comprovativo do pagamento da mercadoria que deveria entregar, supostamente, no dia seguinte em casa do cliente, percebe que há um engano e onde devia estar o valor de 2.350.000,00 Kz, está 2.850.000,00 Kz… mais 500 mil kz do que o valor total da compra.
Pouco depois, o cliente volta a contactá-lo a explicar que ocorrera um engano e que tinha pago, inadvertidamente, mais 500 mil kz que o combinado, pedindo ao comerciante que lhe devolva, pela mesma via, esse valor.
Este comerciante, sem prestar muita atenção a este assunto, provavelmente iria fazer essa devolução num momento de menor aperto no trabalho, recebe um novo contacto do “cliente” a pedir que a devolução fosse feita com alguma urgência porque precisava daquela verba para outros pagamentos…
E foi aí que tocou a campainha de alarme na cabeça do comerciante, informando de imediato o indivíduo que procederia à devolução, sem demora, mas apenas assim que o dinheiro caísse na sua conta, explicando que esse é o procedimento normal… Mas tal não demoveu o burlador de insistir…
E foi nesse momento, onde já estava mais claro que tinha sido visto como alvo de um burlador, que o comerciante disse ao seu “cliente” que deveria dirigir-se à polícia caso quisesse porque era isso mesmo que ele próprio iria fazer face à insistência…
Do outro lado apenas ouviu um click do telefone a desligar, desligando-se de uma clara tentativa de burla de 500 mil kz através da manipulação digital de um documento bancário, embora este esquema exija ainda que o criminoso faça algum estudo da vítima e da sua actividade comercial.
Mas não foi a única vez. Dias depois, o mesmo comerciante recebeu, igualmente logo pela manhã cedo, ainda antes da 07:00, novo contacto de um potencial cliente para a compra de material em maior quantidade e qualidade, no valor de 7,3 milhões Kz.
Procedeu como normalmente, recebeu via Whatsapp a lista da encomenda para entrega nos dias seguintes, e o comprovativo do pagamento… mas com o valor errado, para cima… muito para cima, no valor de 17,3 milhões Kz.
Só que dessa feita, já estava em pré-aviso e assim que recebeu a chamada do indivíduo a pedir a devolução dos 10 milhões por engano pagos a mais, igualmente com o comprovativo da transferência adulterado, interrompeu de imediato o “teatro” e disse que iria entregar o assunto ao Serviço de Investigação Criminal por se tratar de uma verba elevada.
Click, foi a única coisa que ouviu do outro lado do telefone. O burlão desligou assim que ouviu falar em SIC…
Mas estes são apenas dois exemplos de vários de que o Novo Jornal teve conhecimento, sendo que apenas uma pequena percentagem das tentativas dos burlões é concluída com sucesso, e, na maior das vezes, junto de comerciantes menos experimentados ou circunstancialmente distraídos, e envolvendo verbas menores…
Mas há igualmente casos de perdas elevadas, como é o caso dos stands automóveis, por exemplo…
O trabalho policial para deter estes criminosos é normalmente dificultado por falta de denúncias das vítimas, ou porque não querem expor as suas vidas ou por acharem que é inútil, embora esse passo seja essencial, porque só assim é possível abrir uma investigação e porque, por exemplo, as vítimas ficam na sua posse com provas importantes.
Desde logo os contactos telefónicos e as contas bancárias dos burladores e de onde receberam os comprovativos de pagamento, que, usualmente são efectivamente feitos mas em quantias ínfimas, como 10 ou 20 kz, ou até, como se constata na foto que acompanha esta notícia, 0,001 kz, apenas para depois estes documentos serem digitalmente manipulados e surgirem com verbas muito mais altas.
Mas há casos em que os indivíduos se munem de documentos de identificação falsos, como, por exemplo, na elaboração de planos para atacar no sector da compra de veículos em segunda mão, recorrendo à mesma artimanha do falso erro na verba transferida e “provada” através de comprovativo real mas manipulado para nele surgir uma verba muito superior ao efectivamente transferido.
O porta-voz do Serviço de Investigação Criminal (SIC), superintendente-chefe Manuel Halaiwa, disse ao Novo Jornal que decorrem investigações relacionadas com este tipo de crime.
“Temos registo desses tipo de burla, estando neste momento dois casos a ser investigados pelas equipas do SIC, um já adiantado e com a detenção de um indivíduo, um engenheiro informático formado no Brasil, que adulterava os talões digitais ou os talões do Multicaixa para a prática de burlas”, adiantou..
No entanto, o oficial do SIC avançou ainda que “aspessoas não ajudam a polícia porque, muitas vezes, não fazem a participação da burla ou tentativa de burla de que foram vítimas” e isso é essencial porque só assim se pode abrir os processos de investigação..
Por vezes, explicou ainda Manuel Halaiwa, estes processos parecem de fácil investigação porque as vítimas ficam com o registo telefónico dos burlões, ou a sua identificação bancária, “mas não é bem assim, porque estes, nalguns casos usam pessoas inocentes nos seus esquemas de colecta do dinheiro, que, no fim, também são vítimas”.
E aconselhou a quem se vir numa destas situações a “verificar sempre a sua conta bancária para ter a certeza de que se trata de um erro normal ou de um crime em curso”.
Fonte: NJ