O objectivo é dar prioridade a importações voltadas para a saúde e apoio à produção agrícola e, para isso, está a fazer vendas directas à banca e ao BNA, naquilo que parece um regresso ao passado, em que estes processos foram altamente lesivos para o País. Falta mais transparência no mercado cambial.
O Ministério das Finanças negou esta semana que está a conceder favorecimentos na venda de divisas, mas admitiu que está a fazer vendas directas aos bancos, priorizando as instituições bancárias com operações voltadas para “o sector da saúde, apoio à produção agrícola e para a importação de componentes para projectos de investimento público”. Acaba por “perverter” o mercado cambial, supostamente flexível, com estas vendas directas, admitem especialistas.
No fim-de-semana passado, o MinFin publicou uma nota de esclarecimento sobre o editorial do jornal, assinado pelo seu director, João Armando, onde negava qualquer “suposta protecção” do Tesouro Nacional a determinados bancos no acesso a divisas, aquela que tem sido uma crítica recorrente nos últimos tempos feita por vários banqueiros angolanos.
Entre as novidades que o Ministério trouxe no comunicado, referia que vai começar a publicar trimestralmente as vendas feitas no mercado cambial, num mecanismo que confere maior transparência ao processo, tendo, inclusive, já avançado com as negociações que decorreram no I semestre deste ano, em que vendeu 1.419,8 milhões USD (ver gráfico). São precisamente os dois maiores bancos nacionais, BAI e BFA, que ficaram com mais divisas. Segue-se o BNA, que ficou com quase 200 milhões USD, o que, segundo alguns banqueiros, não deve ser encarado como normal, já que os bancos centrais, por norma, apenas devem comprar divisas do Tesouro quando, entre outras questões, há excesso de divisas no mercado cambial.
Ainda assim, em resposta a questões do Expansão, o MinFin, “desculpa-se” sugerindo que os bancos não têm tido liquidez imediata e que por essa razão faz essas vendas directas ao banco central, avançando que, depois, é o BNA que escolhe a que bancos vende, tendo em conta as necessidades de priorizar determinados tipos de operações de importação. “A venda ao BNA ocorre quando há necessidades em kwanzas, disponibilidade de divisas e dificuldade em identificar na banca comercial operações do sector produtivo, matérias-primas, componentes a importar de projectos de investimento público ou operações no âmbito da saúde que precisem de cobertura cambial. Depois disso, cabe ao BNA vender aos bancos”. Quando questionado sobre como é que o BNA depois selecciona os bancos a quem vende, o Ministério realça que “a operacionalização dos montantes no mercado não é da competência do Ministério das Finanças, mas sim da instituição que superintende a gestão da política monetária e cambial. Nesse caso, a venda de divisas aos bancos comerciais não é da responsabilidade do MinFin, mas do BNA”.
Para se ter uma ideia da dimensão, neste período de escassez de divisas na economia nacional, o valor destinado ao BNA representa 14% do total disponibilizado, sendo a terceira instituição do ranking de recebimentos. O Expansão tentou apurar junto do banco central qual o destino dado a estes quase 200 milhões USD, a que bancos teriam sido repassados uma vez que a instituição não importa, mas até à hora de fecho da edição não obteve qualquer resposta, apesar de ter confirmado na 2º feira que a instituição tinha recebido as questões.
Segundo uma fonte do sector, o MinFin acaba por estar a “perverter o mercado e a priorizar uns bancos sobre os outros”, ainda que até possam ter “boa intenção”. “Com que certeza é que o Ministério identifica os bancos com este tipo de operações? É o BNA que diz? E pode fazê-lo?”, admite a fonte.
Tratam-se, assim, de vendas directas quer à banca comercial quer ao banco central, ainda que esteja a ser utilizada a plataforma Bloomberg para o efeito. Só que esta plataforma foi introduzida em Angola para a realização de leilões de forma a melhorar o sistema cambial flexível que teve início em 2018. “São vendas directas ponto. O MinFin prioriza certas operações. A diferença sobre as vendas directas anteriores é que os dólares iam directamente para as contas das empresas e agora vão para os bancos”, admitiu ao Expansão fonte da banca nacional.
Já outra fonte de um dos maiores bancos reconhece que o MinFin está a fazer vendas directas, à semelhança do que se fazia no passado, mas em termos proporcionais hoje “não é nada comparado com o que acontecia no passado. Também vendem muito para gestão dos bancos”. E acrescenta: “Isto não é câmbio flexível em lado nenhum no mundo”.
Apenas mais um número a ter conta. O BAI, o BFA e o BNA receberam 46% do total das divisas, quase metade, e 54% ficaram para os restantes 19 bancos.
Tesouro voltou ao mercado
De acordo com o relatório do BNA sobre o mercado cambial, em todo o ano passado o Tesouro vendeu no mercado cambial um total de 1.580,7 milhões USD, em que 88% desse valor, equivalente a 1.389,8 milhões USD foram vendidos no I semestre. Quanto ao II semestre, foi marcado por uma quase ausência do Tesouro, já que só colocou no mercado 190,9 milhões USD, o que acabou por pressionar a forte desvalorização do kwanza no ano passado, e provocar atrasos de mais de três meses em transferências bancárias para o estrangeiro.
Fonte: Expansão