O objectivo do Governo é claro: reduzir o comércio informal, que para muitos cidadãos ainda é a única forma de ganhar a vida numa economia com alto desemprego, e aumentar a base de contribuintes do País. Para isso, os informais terão de se legalizar. Face à situação do País, está aberta a “caça à gasosa”.
O regulamento da Lei Sobre a Organização, Exercício e Funcionamento das Actividades de Comércio Ambulante, Feirantes e de Bancada de Mercado, publicado há duas semanas, restringe significativamente a venda ambulante no País e impõe mecanismos de controlo que poderão levar ao desemprego milhares de pessoas que vivem desta prática até então informal.
A regulamentação da lei publicada em 2019 define, pela primeira vez, os critérios e mecanismos para o exercício da venda ambulante, e não só, impondo um conjunto de proibições e limitações, conferindo poderes às administrações municipais para a legalização destas actividades, apesar de não esclarecer os caminhos para que os interessados possam formalizar a sua actividade junto destas instituições locais.
Este vazio pode levar a um conjunto de irregularidades idênticas às praticadas por fiscais em várias zonas de Luanda, que é a “caça à gasosa”, de acordo com o presidente da Associação Nacional dos Vendedores Ambulantes (ANVA). “Os próprios administradores municipais, os chefes da fiscalização, as viaturas que ostentam, as casas que estão a construir às escondidas, o dinheiro está a vir dos comerciantes”, admitiu José Cassoma à imprensa.
Para este líder associativo “o Governo está a confundir a venda ambulante com a transferência de vendedores para os mercados”, fazendo alusão ao Programa de Reordenamento do Comércio (PRC), que está a ser desenvolvido pelo Governo Provincial de Luanda, e que permitiu encaixar pelo menos 21 mil vendedores nos mercados municipais, segundo dados do governo de Manuel Homem.
Aquando da publicação da lei, o economista e investigador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica, Precioso Domingos, defendeu que esta “impõe uma burocracia que a própria administração pública não está preparada para corresponder”.
“As zungueiras não tinham necessidade de manter contacto com qualquer administração municipal ou comunal para obterem licença, bastava, no actual contexto, uma política mais simples como, por exemplo, a exibição de um talão de multicaixa”, justifica. Medida que devia ser antecedida de uma campanha que garantisse o direito a todos os angolanos de terem acesso ao bilhete de identidade, pois sem ele não têm sequer acesso a uma conta bancária. “Seria muito mais simples, haveria menos pressão sobre a administração pública, menos pequena corrupção, resolvia-se o problema da bancarização e mais facilmente se resolveriam outros problemas relacionados”, defendeu.
Ideia semelhante tem José Cassona, que entende que há um “excesso” de deveres, lamentando que a associação que representa os vendedores informais não tenha sido consultada. “A lei não foi pensada tendo em conta a realidade angolana devido ao excesso de produtos que receberam proibição de comercialização nas ruas, sem esquecer o excesso de condições que são impostas aos informais para regularizar a actividade”, disse
Entre as proibições impostas pelo regulamento da Lei Sobre a Organização, Exercício e Funcionamento das Actividades de Comércio Ambulante, Feirantes e de Bancada de Mercado está a venda nas ruas de um conjunto de produtos, entre alimentares e não só, incluindo a kingilas, que ficam proibidas de transacionar notas nas ruas, mas deixa de fora, por exemplo, a venda ambulante de peixe (ver tabela), apesar de proibir a venda de carne.
Medida que segundo comerciantes se deve à tradicional venda de peixe feito por peixeiras pelas ruas de Luanda, apesar de hoje o processo ser um pouco diferente. “É normal que a venda de peixe de forma ambulante não seja proibida. Até porque leva muitos anos. O problema está em muitos outros produtos que são vendidos nas ruas sem condições sanitárias e põem em causa a saúde pública”, defendeu um vendedor de peixe da Ilha de Luanda.
Fonte: Expansão