A escassez de divisas em Angola faz-se sentir também no mercado informal onde se transaciona moeda estrangeira, dizem as “kinguilas” de Luanda, que se queixam da falta de clientes e veem nos empréstimos uma alternativa de rendimento.
Algumas “kinguilas”, como são conhecidas as mulheres e homens em Angola que se dedicam à venda e compra de divisas no mercado informal, disseram à Lusa estar com dificuldades em trocar ou comprar diariamente uma nota de 100 dólares ou de 100 euros.
Com falta de clientes, contrariamente ao que acontecia no passado quando os rendimentos desta atividade lhes permitiam construir uma residência, as “kinguilas” buscam outras alternativas, vendendo recargas telefónicas e água mineral, ou viram-se para os empréstimos.
Apesar das dificuldades, não arredam pé das ruas e continuam visíveis no centro da cidade ou nas zonas periféricas, onde aguardam, com esperança divina, pela compra ou venda de divisas, queixando-se também da falta de kwanzas (moeda angolana) nas suas operações.
“Não temos comprador, não temos kwanza nem dólar e euro, o dia-a-dia para você comprar uma nota de euro ou dólar é difícil, podemos passar mesmo uma semana sem comprar notas”, disse à Lusa Esperança António.
É no centro da capital angolana, nas imediações do Ministério das Relações Exteriores, que Esperança, que se dedica ao negócio há mais de 20 anos, se instalou, debaixo de uma sombrinha, na esperança de trocar algum.
“Os clientes também desapareceram, só estão a trocar mesmo nos bancos e na rua já não aparecem. Temos colegas que até desistiram, só estamos a vir aqui porque não temos ninguém que nos ajude”, desabafou, sentada num dos passeios daquela movimentada rua de Luanda.
Domingas Paulo, “kinguila” há 26 anos, contou à Lusa que nos dias que correm sai à rua apenas para “se remediar”, recorrendo a negócios alternativos como a venda de produtos, porque a escassez de divisas se traduz em falta de rendimentos.
“O nosso dia-a-dia está mal, não estamos a conseguir nada, nem para comprar e nem para vender, não temos”, afirmou, manifestando saudades do período antes da covid-19, época em que, realçou, o negócio era rentável.
A compra e venda de divisas no mercado paralelo é um negócio que dura há décadas em Angola, praticado por mulheres e homens, que se encontram normalmente nas imediações das instituições bancárias, locais onde, alegadamente, tem origem grande parte dos valores transacionados pelas “kinguilas”.
Cristina Mupa disse à Lusa que parte dos operadores desse mercado trabalha com capital próprio, fruto de empréstimos, mas outros dependem de clientes que levantam elevadas somas de divisas nos bancos.
“Normalmente juntamos o capital, quando algum cliente vem com 10.000 dólares juntamos o que temos (em kwanzas) para comprar e depois aí repartimos os lucros”, explicou, acrescentando que muitos dos seus clientes são também funcionários de embaixadas.
Sentada numa das calçadas da Rua Rainha Ginga, artéria principal de Luanda, Cristina lamentou a queda dos lucros, referindo que dólar e euro continuam a ser procurados, mas não conseguem satisfazer os poucos clientes que surgem.
Madalena, outra das “kinguilas” da Rua Rainha Ginga, não aceitou revelar o seu sobrenome, temendo exposição pública, considerando que o seu trabalho acarreta riscos, por trabalhar com elevadas somas de dinheiro.
Lamentando igualmente a falta de clientes, disse que o negócio deixou de ser atrativo e rentável, se comparado com anos anteriores, apontando o “bloqueio” da circulação de divisas, já na era de José Eduardo dos Santos (ex-presidente angolano, falecido em 2022) como um dos fatores.
“As coisas já não estão como antes, antigamente era bom, tudo era fácil, há clientes que por vezes até têm um certo montante no banco para colocar aqui na rua, mas também as vezes não conseguem”, concluiu.
A nota de 100 dólares neste mercado está a ser transacionada no valor de 103.000 kwanzas (cerca de 114 euros) para os compradores e a venda no valor de 104.000 kwanzas (116 euros). Já a nota de 100 euros está a ser vendida a 120.000 kwanzas (133 euros) e comprada a 110.000 kwanzas (122 euros).
Fonte: Lusa