Há um fosso enorme entre aquilo que as empresas estrangeiras mandam lá para fora e aquilo que os investidores angolanos enviam para cá. Afinal, onde é que estão os dividendos dos investimentos angolanos no estrangeiro nos sectores da banca, das telecomunicações e na portuguesa Galp? Não temos resposta!
As empresas estrangeiras em Angola enviaram 328 vezes mais dinheiro em transferências de lucros para fora do País do que as empresas angolanas lá fora para dentro do País. Ao todo, desde 2012, as empresas estrangeiras enviaram 63.311,5 milhões USD em lucros lá para fora, enquanto os investidores angolanos repatriaram para Angola apenas 193 milhões USD em lucros, de acordo com cálculos da imprensa com base no relatório sobre a Balança de Pagamentos do Banco Nacional de Angola (BNA).
Sem investimento não há resultados e o histórico de transferência de lucros é um sinal disso mesmo, já que nestes doze anos as empresas estrangeiras investiram 23 vezes mais em Angola, do que empresas angolanas no estrangeiro. De acordo com dados do BNA, as petrolíferas estrangeiras investiram em Angola desde 2012 um total de 116.812,1 milhões USD, enquanto as empresas estrangeiras fora do sector petrolífero investiram 3.809,6 milhões. Contas feitas, as empresas estrangeiras investiram 120.621,8 milhões USD em Angola desde 2012 e transferiram lucros de 63.311,5 milhões USD, o que dá uma média de 50 cêntimos de dólar de lucro por cada dólar investido.
Por outro lado, as empresas angolanas investiram 5.328,7 fora do País, em que 5.110,4 milhões (96%) foi no sector petrolífero e 218,3 milhões USD foram no sector não petrolífero (ver gráficos). Como transferiram resultados de 193 milhões USD para Angola, isto dá uma média de 4 cêntimos de dólar por cada dólar investido.
É caso para perguntar onde é que estão os dividendos que a Sonangol recebeu ou deveria ter recebido da sua participação indirecta na Galp? Segundo contas do Expansão, só desde 2012 a petrolífera nacional deveria ter recebido 441,3 milhões de euros pela sua participação indirecta na portuguesa Galp.
O Investimento Directo de Angola no Estrangeiro (IDAE) ocorre quando uma entidade residente em Angola compra total ou parcialmente uma empresa estrangeira, adquirindo uma participa- ção de, pelo menos, 10% do seu capital, com o objectivo de controlar ou influenciar a sua gestão. Além das aquisições de empresas existentes, o IDAE inclui a constitui- ção de novas empresas ou sucursais, aumentos de capital, reinvestimento de lucros e prestações suplementares, entre outras operações. Olhando para os valores de investimento de entidades residentes fiscais em Angola fora do País e fora do sector petrolífero, em 14 anos 218,3 milhões USD parece pouco. No entanto, estes são apenas os valores declarados ao BNA, não incluindo por isso os valores que saíram de Angola ilegalmente, nomeadamente através da sobrefacturação das importa- ções, ou até de malas de dinheiro, e que depois são aplicados na compra de empresas ou em títulos estrangeiros. Ou até na constituição de empresas em offshores, muitas delas depois utilizadas para abrir empresas em Angola e fazer negócios com o Estado, com o claro propósito de esconder os últimos beneficiários efectivos dessas empresas. Só para se ter uma ideia, no final do II trimestre deste ano 53% do stock de investimento directo angolano no exterior estava sedeado em Portugal, enquanto os paraísos fiscais das Maurícias (12%) e as britânicas Ilhas de Man (6%) eram os segundo e terceiro destinos do investimento angolano lá fora.
Contas feitas, os angolanos têm hoje investidos (sem contar investimentos de carteira) lá fora 5.286,9 milhões USD (stock de investimento), longe dos 22 mil milhões de 2017. A questão é que o BNA enganou-se anos a fio nas contas da balança de pagamentos, publicando estatísticas erradas sobre o stock de investimento directo de Angola no estrangeiro, até que o FMI deu conta desse erro no âmbito da X Missão de Assistência Técnica do FMI, realizada de 16 a 27 de Julho de 2018. A título de exemplo, em 2017, os angolanos tinham investidos em empresas lá fora apenas 5,5 mil milhões USD e não os 22,0 mil milhões USD que o BNA referia no relatório da Balança de Pagamentos e Posição do Investimento Internacional daquele ano.
Ainda assim, apesar dessa correcção, não é que os angolanos não estejam a investir lá fora, porque estão, apenas não estão é a trazer todos os dividendos desses investimentos. E as razões são vá- rias, de acordo com o investigador económico Fernandes Wanda.
“Ao contrário dos investimentos estrangeiros em Angola, os investimentos de angolanos no exterior não foram feitos na lógica de procurar o máximo de rendimento para o capital nacional. A saída de capital angolano não foi à procura de lucro (lucro faz-se nas economias emergentes) mas sim reduzir o excesso de liquidez que Angola tinha na altura, e visava aproveitar a crise na zona Euro (particularmente em Portugal) para se adquirir assets estratégicos nessas economias que poderiam ser úteis para Angola mais tarde. A verdade é que o tempo mostrou que os escolhidos nunca tiveram a intenção de apoiar o desenvolvimento de Angola, mas sim adquirir estes assets estratégicos para proveito próprio” sublinha.
Fonte: Expansão