A Reforma da Justiça e do Direito é um tema que vem sendo abordado ao longo dos últimos 20 anos, tendo sido constituída em 2003 a primeira comissão para tratar deste assunto.
De lá para cá, já foram estabelecidas cinco outras comissões e, apesar de algumas melhorias, o sistema judicial angolano continua frágil e refém do poder político, afirmam analistas ouvidos pela imprensa. A morosidade nos processos, a falta de infraestruturas, os atropelos à Lei, a corrupção e a falta de confiança no sistema judiciário nacional fazem parte do rol de problemas que têm manchado a Justiça ao longo dos últimos anos. Na semana passada, saiu em Diário da República a constituição de mais uma comissão para a Reforma da Justiça e do Direito, que tem um período de vigência de 36 meses.
A comissão tem como objectivo concluir os diplomas legais iniciados pelas anteriores comissões, bem como a execução das políticas públicas ligadas ao sector da Justiça, com realce para a implementação do Novo Sistema de Organização Judiciária, no âmbito da Reforma do Estado. Analistas ligados ao Direito pugnam por uma justiça acessível, pronta e célere. Almejam, por exemplo, por uma justiça que seja capaz de “revolucionar” o Poder Judiciário, de forma a permitir que o tribunal resolva os problemas do cidadão em tempo útil.
A Associação dos Juízes de Angola (AJA) diz mesmo que nenhuma reforma fará sentido se não tiver como propósito a redução da morosidade processual e garantir o acesso ao Direito e à justiça a todos os cidadãos. Esmael Diogo da Silva, presidente da AJA, nota que a actual Comissão da Reforma tem de começar o seu trabalho pela Política de Recursos Humanos, Tecnologia de Informação e adicionar a Arquitectura Judicial, um tema que tem passado à margem dos decisores políticos.
Infraestruturas
A construção de infraestruturas, nomeadamente tribunais, e a formação de quadros são apontadas como um dos principais objectivos da Reforma da Justiça e do Direito.
Com efeito, o Executivo prevê instalar faseadamente 60 tribunais de Comarca e cinco da Relação em todo o território nacional, segundo a Lei Orgânica da Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, sendo que um terço dessas infraestruturas já funcionam nalgumas províncias do País.
A AJA entende, no entanto, que a questão não está na criação dos tribunais, mas sim no tipo de infraestruturas, uma vez que estes estabelecimentos têm surgido na base da adaptação de locais que não foram concebidos para funcionar como tribunais, condicionando assim o desenvolvimento do sistema de justiça no seu todo.
Outros problemas da justiça passam pelo tráfico de influências, venda de sentenças, ingerência do poder político, ou melhor, falta de independência dos órgãos de justiça. Assuntos que são recorrentes nas queixas de empresas e cidadãos quando tentam recorrer ao sistema para repor aquilo que consideram ser injustiças ou ilegalidades. Todos esses factores combinados têm minado a confiança dos investidores no sistema de justiça angolano, contribuindo para o desinvestimento estrangeiro no País, pois nenhum estrangeiro investe num País com um sistema de justiça pouco transparente, afirma o economista e especialista em relações económicas internacionais, Gaspar João.
“O mau ambiente de negócios no País, a instabilidade monetária, a falta de confiança na economia e na justiça contribui para a retracção do investimento privado”, disse, notando que a reforma da justiça deve igualmente velar pela credibilidade do sistema de justiça no País, que está bastante fragilizado nos últimos anos. Entre os factores que contribuem para um ambiente de negócios abaixo das médias da região e do continente, a situação da aplicação da justiça no País é um dos factores mais penalizadores. Ainda recentemente, no relatório do GAFI, este era um tema referenciado em diversas ocasiões e um dos três factores de resolução prioritários para que Angola não entre na “lista cinzenta”.
Esmael dos Santos sublinhou que a questão da falta de confiança na justiça angolana, a corrupção e muitos outros aspectos foram objecto de muito debate no 1.º Congresso de Magistrados Judiciais, organizado pela AJA em Novembro último, que recomendou a aprovação de um Código de Ética e Deontologia para os Magistrados Judiciais.
A Comissão da Reforma da Justiça e do Direito anterior, que trabalhou no período compreendido entre 2020 e 2023, levou 12 leis à aprovação da Assembleia Nacional e consolidou mais de 20 leis que foram remetidas ao Conselho de Ministros, sendo que muitas delas foram aprovadas nestes dois últimos anos na Casa das Leis.
Fonte Expansão