As televisões públicas são obrigadas pelo seu estatuto a promover a produção nacional de material televisivo e outro audiovisual nos domínios da ficção angolana e do documentário, mas não é isto que se verifica na grelha de programação dos canais nacionais, cujo conteúdo externo é dominado por material importado, muitas vezes de baixa qualidade.
Fonte da TPA contactada pelo Expansão disse que isto não acontece só porque a televisão não quer pura e simplesmente, comprar os conteúdos locais. É que cada uma das televisões tem programas com custos muito elevados e não pode, de uma hora para outra, terceirizar os serviços e despedir os profissionais internos. “Esta é uma questão estrutural, não apenas das televisões”, confirma, apesar de essa produção não se reflectir nos écrans. Em termos práticos, comprar internamente conteúdos aos nacionais acaba pôr em causa as suas equipas, que existem, recebem salários, mas produzem muito pouco.
Sabendo que podem ser questionadas, as direcções de programas optam por fazer protocolos com canais estrangeiros, de onde importam conteúdos sem ter que dar grandes justificações. Se olharmos para as grelhas dos canais nacionais pouco ou nenhuma ficção nacional encontramos, embora seja importante salientar o esforço que a TV Zimbo tem feito para garantir alguma produção angolana, nomeadamente o “Cine Nosso”, espaço dedicado à divulgação de filmes nacionais, a “A turma da Jinvunda” ou “As aventuras de Zé Carioca”. Esta é uma situação que causa inquietação junto dos produtores de audiovisuais ouvidos pelo Expansão, que reclamam dos custos de produção, do acesso a financiamentos e de operadores de mercado para absorver o que se produz localmente. As produtoras disseram mesmo que nunca houve, se quer, “início de conversa do género com as televisões nacionais”, como acontece em outras realidades, porque não estão dispostas a pagar o devido valor aos angolanos.
“O correcto é pagarem como acontece com o conteúdo estrangeiro que emitem”, disse Ngoi Salucombo, director criativo da Geração 80. Acrescenta ainda que se houvesse este investimento das tele visões na compra do conteúdo local, as produtoras estariam em muito melhor posição em termos financeiros e de quantidade de conteúdo produzido, o que daria a oportunidade de gerar mais empregos durante o período de gravações. E apresentou como exemplo a série “Njila”, emitida no canal Kwenda Magic da DStv, que teve início em 2022, e emprega 150 pessoas só da área técnica. Estava previsto um período de emissão de seis meses, mas acabou de ser assinado um novo contrato por mais seis. “Estas pessoas ficam com o emprego garantido durante um ano”, disse Ngoi.
O administrador e produtor executivo na produtora Diamond Films, Gregório de Sousa, considera que com isto seguramente a área estaria melhor representada, mais sólida e com as pessoas mais envolvidas no processo que podiam viver exclusivamente desta indústria. Recordar que a produção de audiovisuais no País ainda é incipiente, faltam uma serie de serviços e profissionais, mas tal deve-se fundamental à irregularidade de trabalho nesta indústria. “E se houvesse continuidade na produção, colectivamente seriamos todos mais ricos culturalmente, pelo privilégio de consumirmos as nossas próprias histórias”, reforçou.
Deve destacar-se em sentido contrário o trabalho que está a ser desenvolvido pela MultiChoice/DSTV, que está a investir na produção local dos países onde opera, garantindo vida à indústria em África no geral, mas também tendo impacto muito positivo no nosso País. “O nosso investimento em histórias e programas revigorou a indústria cinematográfica e televisiva em todo o continente”, adiantou a directora dos assuntos corporativos, Estefânia de Sousa. Sem adiantar números do investimento, a responsável disse que a importância desta estratégia é a de estar a contribuir para mudar rapidamente a indústria do entretenimento em África, que é cada vez mais relevante aporta valor para a economia, contribui para a criação de empregos e é uma fonte de contribuição para o PIB nacional. Estefânia de Sousa justifica o sucesso e a audiência do canal Kwenda Magic como uma preferência dos consumidores por conteúdo local, e mostra que é possível construir-se um negócio de sucesso para o futuro assente na produção de conteúdos locais em cada um dos países.
Dificuldades e prémios
As maiores dificuldades para as empresas produtoras é o acesso a financiamentos, uma vez que não tendo contratos regulares com as operadoras de televisão que possam funcionar como garantia de pagamento, praticamente ficam sem acesso ao crédito bancário. A geração 80, por exemplo, presta serviços em outras áreas para poder ter verbas para fazer ficção, sendo que a isto junta muitos apoios pontuais, anónimos e privados. Ngoi Salucombo reclama por não haver em Angola uma plataforma de financiamento onde cada uma das empresas pudesse concorrer para garantir as verbas necessárias para as suas realizações, como já aconteceu no âmbito da CPLP, com a curiosidade de o seu documentário “Para lá dos passos” ter sido o vencedor.
Destacar também o seu último filme, “Nossa Senhora da loja do chinês” que conta com dois prémios de quatro nomeações em festivais internacionais. Gregório de Sousa explica que a Diamond Films trabalha com os recursos de clientes, pois não teriam condições de suportar um modelo de autoinvestimento, mas isto não os iliba de partilhar responsabilidades. Em termos práticos, trabalham sobre encomenda de outros uma vez que ainda não têm condições financeiras para desenvolver os seus próprios projectos. Mas isso não lhes retira a vontade e o profissionalismo, assumindo as responsabilidades por tudo o que fazem.
Fonte: AN