Presidentes Tshisekedi e Kagame comprometem-se com cessar-fogo imediato – Acordo não impõe saída dos rebeldes do M23 das áreas conquistadas no leste congolês

Numa inesperada e impactante jogada diplomática, o Emir do Qatar, Tamim Al-Thani conveceu os dois Presidentes desavindos da RDC, Feliz Tshisekendi e do Ruanda Paul Kagame a voarem para Doha, onde assumiram um compromisso com um “cessar de fogo imediato” no leste Congolês.
O acordo não determina alguns pontos cruciais, como o método de verificação do cumprimento das tréguas, se o M23 abandona as capitais dos Kivu Norte, Goma, e Kivu Sul, Bukavu, além das estratégicas áreas de exploração mineira.
Mas permite, pela primeira vez, de forma clara, expor a aceitação por parte do Presidente ruandês, Paul Kagame, que é ele quem controla os rebeldes do M23 e está por detrás dos seus avanços fulminantes desde o início deste ano, porque, caso contrário, não teria como se comprometer com estas tréguas.
Todavia, ao comprometerem-se com o cessar-fogo, o Governo da República Democrática do Congo (RDC) tem agora a primeira oportunidade em meses de negociar directamente com os ocupantes a retoma das áreas perdidas para os rebeldes (ver links em baixo).
Esta inesperada jogada do Emir do Catar confirma-o como um negociador competente e com provas dadas nalguns dos conflitos mais flamejantes no mundo, desde logo o de Gaza, enre Israel e o Hamas, mas no passado esteve por detrás dos acordos entre os Taliban e os EUA, no Afeganistão, ou ainda no caso do conflito interno do Chade, entre os rebeldes e as autoridades de Ndjamena.
E com este aparente sucesso, Tamim al-Thani veio colocar sob holofotes o falhanço da nova tentativa do Presidente angolano de retomar a iniciativa pela paz no leste congolês com uma ronda negocial directa entre delegações de Kinshasa e do M23 que esteve prevista para esta terça-feira, 18, em Luanda.
Essa ronda foi boicotada pelos rebeldes do M23 alegando como justificação as sanções europeias aos seus dirigentes mas que agora se percebe que não poderiam estar a negociar por cima do seu verdadeiro líder, Paul Kagame, em Doha, no Catar, onde se estava a encontrar, à mesma hora, com o Presidente congolês, Felix Tshisekedi.
A ligação umbilical entre o M23 e o Ruanda já estava confirmada através de relatórios oficiais das Nações Unidas, com apoio logístico e em armamento, mas também com a deslocação de milhares de soldados do seu Exército regular para o leste da RDC onde combateram as forças leais a Kinshasa ao lado dos guerrilheiros.
Assim como está confirmado que o Ruanda tem na instabilidade gerada pelas guerrilhas nas regiões dos Kivu Norte e Sul a capa que lhe permite explorar ilegalmente as riquezas do subsolo, especialmente minérios estratégicos para as indústrias 2.0, como o coltão e o cobalto, que exporta em grandes quantidades para as potências ocidentais numa bem conhecida e documentada cadeia de valor que começa na RDC.
Apesar deste contexto, pouco depois do encontro no Catar, um comunicado assinado pelos três Governos mostra que o primeiro encontro entre Tshisekedi e Kagame desde a ofensiva do M23 desencadeada em Novembro do ano passado, mas com forte incremento em Janeiro último, foi coroado de sucesso com um compromisso de tréguas imediatas.
O cessar-fogo é definido como “imediato e incondicional”, embora não apresente quais as soluções encontradas para a verificação do seu cumprimento ou se as posições ilegalmente tomadas pelo braço rebelde do Ruanda no leste da RDC serão desocupadas e quando.
Segundo as agências de notícias, que citam um diplomata do Catar, o encontro foi mediado pelo Emir al-Thani em sintonia com os Presidentes Felix Tshisekedi e Paul Kagame, numa circunstância que deixa muita mal o presidente congolês que, ao que tudo indica, não informou João Lourenço desta iniciativa nas pelo menos duas vezes que este mês esteve na capital angolana.
E deixa ainda sob suspeita o ruandês que abandonou o denominado Processo de Luanda, que objectivava um acordo entre Kinshasa e Kigali, em 2024, alegando que a crise congolesa era um problema interno e que só poderia ser ultrapassado através do diálogo directo entre as autoridades congolesas e os líderes rebeldes.
No que diz respeito a Angola, duas questões fundamentais ficam agora para ser respondidas:
– Como é que este momento que fragiliza o mediador designado pela União Africana, Presidente de Angola e em exercício da organização pan-africana vai impactar nas relações bilaterais com a RDC e o Ruanda?
– João Lourenço vai dar por findos os seus esforços de mediação na crise congolesa?
Independentemente das respostas a estas questões, a RDC vai continuar a ser um dos vizinhos mais importantes de Angola e os vastos problemas internos daquele país serão sempre observados com atenção a partir de Luanda.
Como elemento de possível tentativa de pacificar estas questões, o comunicado emitido a partir de Doha faz uma referência à saudação dos dois Presidentes aos avanços conseguidos ao longo dos anos nos Processos de Luanda e de Nairobi, bem como na Cimeira SADC-EAC que teve lugar no início de Fevereiro, na Tanzânia.
É ainda acrescentado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros catar que as futuras negociações entre Ruanda e RDC vão contar com as conquistas conseguidas em Luanda e na capital queniana, bem como assentar a sua evolução na experiência ali conseguida para chegar a uma paz sólida e sustentável.
Fonte: NJ