Até aos sete anos, Paulo Adão vivia com o pai e a madrasta num dos bairros de Luanda. Actualmente com 22 anos, o jovem conta que sofreu maus tratos por parte dos dois, não estudava e era, inclusive, impedido de se aproximar das irmãs mais novas.
Na altura, contou, a madrasta era a única que levava comida a casa e o pai era alcoólatra. “Sofri agressão física muitas vezes, mas, no último episódio, foi pior. O meu pai bateu tanto em mim que, até hoje, ainda me recordo”, disse.
Naquele dia, a madrasta de Paulo Adão obrigou o marido a levá-lo de volta à mãe biológica. “Ao amanhecer, o meu pai levou-me a um local distante, parecia uma mata, parou a meio do caminho e ordenou que eu seguisse a caminhada até a uma casa que aparecia à distância”, explicou.
Quando se aproximou, diz que encontrou uma senhora sentada à porta. “Tão logo me viu, ficou contente, entrou na residência e chamou outra pessoa que era, na realidade, a minha mãe biológica. Fiquei assustado com a situação porque, até então, não as conhecia e sempre achei que a madrasta era a minha mãe”.
Foi um momento estranho, disse, porque nunca tive contacto com ela, mas pela alegria que a mesma mostrava, hoje consigo perceber que existiu, no mundo, alguém que realmente me amava.
Depois de algumas horas, Paulo Adão pediu à mãe biológica que o conduzisse à cantina mais próxima para comprar algum doce, com a moeda de 10 kwanzas que ganhou do pai. Tão logo percebeu a distração das duas senhoras, colocou-se em fuga, na esperança de regressar aos cuidados do pai e da madrasta, mas acabou por se perder pelo caminho. No mesmo dia, foi encontrado por alguns jovens que o levaram a uma missão da Igreja Católica, onde permaneceu por um ano e foi posteriormente encaminhado ao Lar Kuzola.
Aos 12 anos, Paulo Adão foi encaminhado ao Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen (CACAJ), no bairro Palanca, onde viveu até aos 18 anos.
Saída do Centro
Depois de atingir a fase adulta, a direcção do CACAJ alugou uma residência onde foi colocado com mais cinco outros jovens. Findo o período, Paulo Adão passou a viver com uma madrinha que, depois de um ano, o informou que mudaria de residência e que não poderia continuar com ele.
“Fiquei assustado com a notícia, porque não sabia onde viver. Recorri ao Centro de Acolhimento com a intenção de voltar para lá, mas fui informado que não era possível”, lamentou.
Regresso às ruas
Paulo Adão viu-se obrigado a viver na rua, porque já não tinha um lugar para ficar. De 2017 até aos primeiros meses de 2023, o jovem passou a dormir num carro avariado no interior de uma oficina, no Distrito Urbano do Palanca, e durante o dia fazia pequenos trabalhos para se poder alimentar. “Foi um período muito difícil, porque nos lares por onde passei tínhamos tudo, uma cama para dormir, alimentação, assistência médica e outros serviços”, disse, triste.
Nesse período, passou a trabalhar como ajudante de uma cidadã que confeccionava refeições no interior da oficina. “As minhas tarefas eram, principalmente, deitar o lixo e lavar a louça e, em troca, dava-me os restos de comida que os clientes deixavam”, recordou.
No ano passado, Paulo Adão foi contactado pela direcção do Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen, para fazer parte do projecto “Caminho do Bem”. “Imediatamente compareci na instituição, manifestei o interesse e fui enquadrado nesta iniciativa que mudou por completo o rumo da minha vida”, disse.
Actualmente, trabalha no Departamento Financeiro do Centro de Ciência de Luanda (CCL) e almeja abrir um negócio na área de transportes. “Consegui arrendar uma casa e consigo sustentar-me graças a esta iniciativa da Fundação Arte e Cultura. Mas existem muitos jovens que não tiveram a mesma oportunidade e continuam a viver nas ruas”, realçou.
Em função de toda a situação que viveu, Paulo Adão apela ao Executivo que crie políticas capazes de impedir que os jovens dos lares de acolhimento voltem para as ruas. “Felizmente, eu fui resgatado, mas nem todos têm a mesma oportunidade”, lamentou.
Criada em 2006, a Fundação Arte e Cultura tem como objectivo principal a promoção e divulgação das artes em todas as vertentes, mas, fundamentalmente, trabalha com crianças, jovens e mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade.
De acordo com Xavier Narciso, a Fundação Arte e Cultura tem outros dois pilares fundamentais, a Escola de Artes e o Centro Cultural.
Desde a abertura da instituição, mais de cinco mil crianças beneficiaram dos programas da instituição.
Fonte: AN