Ainda falta ser publicado oficialmente para que o acordo negociado entre trabalhadores e patrões seja efectivado, no entanto, a desejada subida do salário mínimo ainda está longe de compensar a perda do poder de compra que afectou de forma pesada a maioria da população angolana desde 2014.
Depois de avanços, recuos, contrapropostas e uma greve geral, patrões e sindicatos de trabalhadores, com o envolvimento directo do Governo, chegaram na semana passada a um entendimento sobre a política salarial no País. Apesar de o acordo não ter sido ainda publicado em forma de lei, ficou estabelecido um novo salário mínimo garantido de 50 mil Kz (equivalente a 58,7 USD), um aumento de 55,4% face aos actuais 32 mil Kz.
Com as mudanças, um trabalhador que receba o salário mínimo de 50 mil Kz, equivalente a 58,7 USD, só vai ter disponíveis para despesas básicas como alimentação ou habitação uma média diária de 1,96 USD, o que não permite quebrar o ciclo de pobreza, mesmo tendo acesso ao mercado de trabalho.
Segundo o portal “World Poverty”, Angola conta, actualmente, com cerca de 11 milhões de habitantes em situação de pobreza extrema (mais de 3 em cada 10 angolanos) num total de 36 milhões de habitantes, já que têm menos de 2,15 USD por dia para despesas básicas, medida essa que é definida pelo Banco Mundial como valor que separa a pobreza extrema da pobreza. Ao nível da região da SADC, esta subida coloca Angola em melhor posição, ainda que na parte inferior da tabela regional de salários mínimos (ver gráfico).
O valor mínimo de 50 mil Kz vai passar a ser aplicado nas microempresas e “startups”, enquanto as empresas que já pagam 70 mil Kz terão 12 meses para chegar aos 100 mil Kz. As empresas de média e grande dimensão que ainda praticam salários abaixo dos 70 mil Kz terão dois anos para chegar aos 100 mil Kz.
“Quanto aos valores acordados, parecem-me muito equilibrados e responsáveis, embora sem uma recuperação total do poder de compra da parte dos trabalhadores”, reconhece Heitor Carvalho, director-geral do Centro de Investigação Económica (CINVESTEC) da Universidade Lusíada de Angola (ULA).
A categorização das empresas está definida na lei das micro, pequenas e médias empresas. As micro empresas não empregam mais de 10 trabalhadores e/ou não têm uma facturação anual em kwanzas superior a 250 mil USD. As pequenas empresas possuem entre 10 e 100 trabalhadores e/ou uma facturação anual entre 250 mil USD e 3 milhões USD, enquanto as médias empresas têm entre 100 e 200 trabalhadores e uma facturação anual em kwanzas equivalente a um intervalo entre 3 e 10 milhões USD. Todas as restantes entidades são consideradas grandes empresas.
O acordo também prevê que o Governo reveja os critérios de atribuição de subsídios para as zonas recônditas em função das categorias dos municípios (distância, facilidade de acesso e estadia) e incorporar um representante dos sindicatos no conselho fiscal do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Noutra vertente, o salário da função pública vai começar a ser revisto nas vésperas da preparação do Orçamento Geral do Estado. Também estão a ser estudadas alterações aos impostos sobre o trabalho.
Heitor Carvalho considera que o longo e atribulado processo de concertação produziu “um acordo muito importante e que parece ser um bom indicador, sobretudo pela forma como foi negociado e por prever já uma certa continuidade nos próximos anos, com novas rondas de negociação previstas antes da aprovação do próximo OGE, por exemplo”.
Positivos e negativos
“O ponto negativo está na forma como o Governo se posicionou durante as negociações, onde surgiu mais como patrão, quando devia ter uma abordagem mais de árbitro entre trabalhadores e patrões. Só se não se chegasse a um acordo viável é que o Governo deveria intervir directamente”, defende o académico.
Fonte: Expansão