As máquinas ilegais de jogos de moedas são um fenómeno em grande crescimento nos bairros de Luanda, o jogo da “sorte ou azar”, como é tratado pela população, absorvem as moedas que deveriam estar em circulação. À imprensa descobriu um quintalão em Viana, onde se acumulam os sacos de moedas para alimentar este negócio.
Quem entra na rua das Jembas em Viana, do lado direito, num quintalão com muro descaracterizado e sem qualquer identificação, funciona uma das “sedes” deste negócio. É proibida a entrada que se faz através de um portão, mas que só se abre e fecha para que alguns camiões possam circular. Num desses momentos, à imprensa pôde olhar lá para dentro e constatar que tem diversos contentores do lado direito e do lado esquerdo máquinas e caixas de madeira espalhadas pelo terreno, com um armazém ao fundo.
Foi através do buraco de uma janela desse armazém, tapada apenas com uma lona, na parte de trás do espaço, que foi possível ver centenas de sacos empilhados, caixas e outras embalagens carregadas de moedas de 50 e 100 Kz, as que são utilizadas nessas máquinas “caça-níqueis”. Estão também espalhadas inúmeras máquinas, umas novas outras com ar de estarem estragadas, caixas de madeira para encaixar os equipamentos, peças sobressalentes, etc.
À imprensa conseguiu confirmar que este local funciona como oficina e banco para os promotores deste esquema, chineses que, na sua maioria, não dominam o português, apoiados por angolanos que indicam os locais para potencial negócio e que funcionam com interpretes nas negociações com os clientes. Em termos práticos, o local funciona como banco porque as moedas recolhidas semanalmente nas máquinas não são depositadas nos bancos e vão para ali para servir para abastecimento a novas máquinas que são colocadas no mercado e, também, como oficina, porque é para ali que levam as avariadas ou degradadas para procederem ao respectivo arranjo.
O importante é que esta localização nunca é dada a conhecer aos clientes, é desconhecida para todos, uma vez que as negociações se iniciam sempre por contacto telefónico. São os cidadãos chineses apoiados, por um ou dois angolanos, que vão ao local de instalação para conversar e que depois levam e trazem a máquina e as moedas. Não há uma morada, um local, o serviço é sempre prestado ao domicílio.
Em termos práticos, estamos perante um crime de retenção de moeda, que, como é explicado pelo director de Meio Circulante do BNA (ver caixa), está consagrado nos pontos 1 e 2 do art.º 468 do Código Penal. Um relatório da Unidade de Informação Financeira (UIF) feito em 2019 aponta que, “o País está exposto a um risco médio-alto no que se refere à prática de crimes de branqueamento de capitais”. O mesmo documento identifica crimes como, “tráfico de drogas, corrupção, peculato entre outros como ameaças ao combate ao ranqueamento de capitais em Angola”. E como se percebe, toda esta actividade dos “caça-níqueis” não tem qualquer controlo e contribui para que Angola tenha uma posição na parte baixa da tabela da Transparência.
25% para os clientes
O negócio funciona na base de intermediários. Quem pretende entrar como gestor de máquinas, basta ter um espaço movimentado de pessoas (cantina, restaurante, barbearia ou mesmo na rua) e manifestar o interesse, contactando um gestor destas máquinas em qualquer bairro ou zona. É ele quem faz a ponte, passando o contacto do interessado aos cidadãos chineses (donos do negócio). Só os que já possuem máquinas é que têm os contactos telefónicos.
O Expansão falou directamente com os chineses responsáveis, simulando interesse junto de um intermediário em instalar as máquinas num espaço próprio. Eles ligaram e marcaram uma reunião. Ficámos a perceber que as máquinas podem vir carregadas com 7, 10 ou 15 mil kwanzas, de acordo com o movimento de pessoas, sendo que é o próprio cidadão chinês que sugere o número de máquinas que cada local deve ter. Não há qualquer formalização do acordo, sendo que a relação se resume à distribuição das moedas quando é feita a recolha, 75% para eles, 25% para os clientes.
As recolhas são feitas normalmente semanalmente. Apenas os cidadãos chineses têm as chaves da máquina, sendo que juntamente com os comerciantes fazem a contagem das moedas retiradas e, por cada mil kwanzas, 250 são entregues aos proprietários dos estabelecimentos. Estas recolhas também podem ser antecipadas ou estendidas, de acordo com o número de moedas que as máquinas vão acumulando.
Acrescentar que nesta altura, para estimular a entrada de novos comerciantes, os cidadãos chineses também oferecem 100 Kz a cada 500 Kz que saem de prémio aos clientes, ao que chamam a “taxa da casa”. Para os pequenos comerciantes, o negócio transformou-se num rendimento extra. Ao Expansão, contaram que chegam a facturar entre 40 a 60 mil Kz mês, de acordo também com o número de máquinas e com o volume de clientes que possuem. Têm também instruções para, quando são abordados pela polícia, para o confisco das máquinas, ligarem aos cidadãos chineses.
Questionados alguns comerciantes se não costumam ter problemas com a polícia por estarem envolvidos numa actividade ilegal, alguns admitem que já viram as suas máquinas apreendidas, principalmente quando o comerciante é novo no negócio. “Quando isso acontece, nós não nos preocupamos. Apenas ligamos para os donos e eles resolvem com a polícia e, num curto espaço de tempo, devolvem-nos os meios e continuamos a trabalhar”, contou ao Expansão Saca- neno Zembo, um comerciante no bairro São Pedro da Barra, distrito urbano de Sambizanga.
Jogo viciante
Os bairros em Luanda têm cada vez mais máquinas destas instaladas, o que também é explicado pela facilidade do jogo. A aposta é uma moeda de 50 ou 100 Kz introduzida na máquina. Se tiver sorte, ganha até sete mil Kz, ou seja, 120 moedas por cada tentativa, podendo ganhar várias vezes até um limite máximo de 25 mil Kz. “Mas, por outro lado, facilmente o jogo se converte em azar, porque há quem aposte até cinco mil Kz e perde tudo”, contou Sandra Ribeiro, gestora destes jogos no bairro Marçal há quase um ano, acrescentando: “No fundo, nós só controlamos o negócio dos chineses e, em contrapartida, recebemos uma comissão. Isso é muito bom porque é um negócio onde não investimos nada”.
Nas zonas periféricas da cidade de Luanda, as máquinas são cada vez mais concorridas sendo que os maiores clientes são as crianças e os jovens que fazem do jogo um vício. “Agora sou obrigada a manter as minhas moedas longe das crianças, porque tiram e levam nos jogos de “sorte e azar” e depois nunca ganham, só me desgraçam”, lamenta Alexandra Tomás, mãe de três rapazes, moradora na Gamek à direita.
Cabe aqui acrescentar que a lei define claramente que apenas os maiores de 18 anos podem jogar, mas como se calcula não há qualquer controlo, nem dos proprietários dos estabelecimentos nem dos serviços de fiscalização.
Fonte: Expansão