Num país onde os empregos formais são insuficientes, a população está obrigada a ir para a informalidade para pôr comida na mesa. E aí tudo é negócio, num novelo que envolve donos de quintais, fiscais e vendedoras. Governo Provincial promete continuar a combater as ilegalidades da informalidade.
O Governo Provincial de Luanda já mandou encerrar este ano cerca de 500 casas de processo na capital do País, já que é nestas instalações que as zungueiras e as vendedoras depositam diariamente as mercadorias que vendem nas ruas a preços que variam entre os 30 e os 36 mil Kz por mês, apurou à imprensa. Estes encerramentos fazem parte do Programa de Reordenamento do Comércio.
Maria S., nome fictício, é uma das dezenas de vendedoras de carne que todos os dias “monta a banca” no Calemba 2. Por se tratarem de alimentos perecíveis, e para não estar constantemente a deslocar-se a casa e a gastar dinheiro de táxi, está “obrigada” a guardar o stock num local ali próximo, denominado de “casa de processo”, pagando para o efeito 30 mil Kz mensais por um espaço de cerca de um metro quadrado numa arca frigorífica. No caso desta senhora, a “casa de processo” a que recorre é uma habitação, em que o proprietário vive deste negócio de aluguer de pequenos espaços às vendedoras, tendo disponíveis seis arcas frigoríficas. Por mês consegue até cerca de 1 milhão Kz com este negócio que é ilegal e que contribui para a informalidade do comércio.
Mas não é so no Calemba 2 que esta é uma prática comum. No São Paulo, onde o GPL conseguiu mudar a face do comércio depois de uma intervenção que retirou centenas de vendedores dos passeios, hoje o negócio é feito em surdina. Isto porque os potenciais clientes são abordados na rua pelas vendedoras que alugaram pequenos espaços em quintais e habitações ali próximas onde instalaram as suas bancas.
Muitas das vendedoras justificaram ao Expansão que apenas recorrem a estes métodos porque não conseguem ter acesso a mercados públicos e, por isso, além das rendas ainda estão obrigadas a compartilhar uma pequena parte dos seus lucros com fiscais, que lhes têm cobrado entre 500 a 1.000 Kz por dia para as deixarem “trabalhar em paz” e sem o risco de verem os seus produtos confiscados. Caso não consigam pagar, os produtos são retidos e depois têm de pagar o dobro para os levantar, revelaram muitas delas.
Dos vários fiscais que à imprensa abordou nesta reportagem, todos disseram desconhecer a existência de qualquer casa de processo na zona onde se encontravam. Mas ao que o Expansão apurou, faz tudo parte do mesmo negócio: donos das habitações, fiscais e vendedores. É por isso que, segundo as vendedoras, os fiscais fecham os olhos a estas casas.
Este é o novelo em que a informalidade decorre no dia-a-dia de milhares de pessoas na cidade de Luanda. Tudo é negócio e tudo gera rendimento, quase sempre de forma ilegal. À falta de emprego, é à informalidade que os angolanos recorrem para pôr comida na mesa. De acordo com os dados do emprego do INE, cerca de 80% das pessoas em idade activa que têm emprego estão na informalidade, sem qualquer segurança laboral.
Nesta altura em que o Governo procura a todo o custo alargar a base de contribuintes, está em curso um programa do Governo Provincial de Luanda que visa reordenar o comércio feito na capital do País, que é como quem diz, empurrar as vendedoras informais para locais apropriados para o efeito, retirando-as dos passeios da cidade. Mas não basta empurrar as vendedoras, já que o GPL entendeu ser necessário combater também as “casas de processo”.
“Casas de processo” violam a lei e fomentam informalidade
De acordo com Dorivaldo Adão, director do Gabinete Provincial para o Desenvolvimento Económico Integrado do GPL, as casas de processo são ilegais pois violam os princípios básicos da lei da actividade comercial, já que não detêm licenças, nem pagam os devidos impostos. O responsável do GPL adiantou ao Expansão que já foram detectadas mais de 1.000 casas destas na província da capital, tendo cerca de 500 já sido encerradas só este ano. Ainda assim, esse encerramento é um processo difícil por se tratarem de habitações privadas. “Precisa-se de ter provas para que a nossa intervenção seja exequível e legal”, sob pena de não incorrer ao crime de invasão à privacidade, admitiu.
Dorivaldo Adão adiantou que o GPL vai continuar a implementar o Programa de Reordenamento do Comércio até que as vendedoras estejam sensibilizadas e convencidas que o melhor lugar para comercializar é nos interiores dos mercados e não nas ruas. E para isso também conta com as denúncias e com a mudança de atitude de quem costuma comprar produtos às vendedoras informais, muitas vezes sem sair dos carros.
Fonte: Expansão