A execução do Orçamento Geral do Estado no ano passado ficou marcada, mais uma vez, pelas disparidades entre os diferentes sectores: 6 programas não executaram qualquer verba, enquanto 14 ultrapassaram a alocação prevista. Alguns chegaram mesmo a ultrapassar os 300% acima dos valores iniciais. Estas diferenças levantam dúvidas sobre a qualidade do processo de orçamentação e execução.
Ao analisar a execução orçamental dos 71 programas implementados pelo Governo em 2023, é possível identificar as prioridades e o caminho que está a ser desenhado pelas autoridades. As conclusões não diferem muito daquilo que tem sido a execução orçamental mais recente, com vários programas dos sectores da Defesa e dos Transportes a ultrapassarem largamente as dotações iniciais. No pólo oposto surgem alguns programas do sector da Educação e da Economia.
O rei das despesas em 2023 foi mesmo o programa “Reforço das capacidades técnico-materiais e operacionais”, afecto ao sector da Defesa, que tinha prevista uma dotação orçamental de 114.913 milhões Kz mas acabou o ano a dispender 347.111 milhões Kz, mais do triplo do planeado inicialmente, segundo os dados compilados pela imprensa a partir dos relatórios trimestrais de execução orçamental, publicados pelo Ministério das Finanças.
Entre os 14 programas, num total de 71, que executaram verbas acima do previsto (ver tabela ao lado), figuram acções implementadas no sector da Saúde (2 programas), Infra-estruturas, Electricidade, Sociedade, Formação, Agricultura, Habitação, Telecomunicações e Transportes (três programas acima da execução prevista) e um da Defesa.
“Nota-se uma grande disparidade nos níveis de execução da despesa por programa, variando de 0 a 300%”, assinala o economista Manuel Neto Costa. “Isso é consequência de um conjunto de factores, entre os quais o facto de a Assembleia Nacional ter tornado, à margem da Constituição e da lei, os OGE como documentos meramente indicativos para o Titular do Poder Executivo, pois dá a faculdade deste os alterar sem o seu devido escrutínio. Também falta uma melhor articulação entre o processo de planeamento (definição das prioridades para as despesas públicas) e o processo de orçamentação (afectação dos recursos disponíveis)”, defende o antigo ministro da Economia e Planeamento.
De acordo com o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aquele que foi o “campeão da derrapagem orçamental” em 2023, o programa “Reforço das capacidades técnico-materiais e operacionais”, visa “assegurar uma adequada capacidade operacional das Forças Armadas”, visto como fundamental para que o exército “possa desempenhar as suas missões”.
“Por outro lado, para além do seu papel tradicional na defesa nacional, as Forças Armadas assumem hoje funções de projecção do País, nomeadamente, quando participam em missões de paz no exterior”, explicou o Governo no referido documento.
“A eficiência e a eficácia da capacidade operacional depende dos meios disponíveis, por isso, pretende-se implementar dois planos, sendo um de reequipamento, manutenção e potenciação das capacidades operacionais e outro de construção, reabilitação, manutenção e apetrechamento de infra-estruturas. De igual modo, duas áreas específicas merecerão atenção: a vigilância e a segurança marítima da Zona Económica Exclusiva (Projecto Kalunga) e a participação das Forças Armadas em missões internacionais de manutenção de paz”, lê-se no PDN 2018-2022, que entretanto foi substituído pelo PDN 2023- -2027, que apenas foi aprovado em Outubro do ano passado.
Nos documentos disponíveis não existem explicações mais pormenorizadas sobre estas iniciativas. No entanto, em Março de 2023, por exemplo, a Assembleia Nacional aprovou o envio de um contingente militar para o leste da RDC, como parte do envolvimento nacional na mediação do conflito entre aquele país e o Ruanda. Também no ano passado foi concluída a primeira fase de construção do Centro Nacional de Coordenação e Vigilância Marítima de Luanda.
Numa perspectiva global, 73% das despesas cabimentadas foram executadas. O programa “Acções correntes” foi aquele que mais consumiu recursos financeiros: foram executados mais de 11 biliões Kz, 68% dos 16 biliões previstos no início de 2023. Este programa, que inclui o pagamento de salários à função pública, e também o serviço da dívida pública, é claramente o que recebe mais recursos.
Fonte: Expansão