Os corpos franzinos e rostos de menino contrastam com a força das pernas, que usam como tracção a quatro rodas, para empurrar os pesados carros de mão, feitos de madeira, num dos becos do Bairro dos Pescadores, periferia da vila de Cacuaco, em Luanda.
Perfilados em longas filas, são jovens, maioritariamente provenientes da região Centro e Sul do país, em busca de emprego e sustento para as suas famílias.
Não têm dias definidos para o trabalho, nem horário. O único tempo disponível está reservado ao descanso no período nocturno. Assim é a vida de Segunda Amaro, de 20 anos, que diz ter chegado a Luanda há um ano, proveniente da província do Huambo, para desenrascar a vida na capital do país.
Para já, não tem um horizonte temporal para o regresso aos seus, na província do Huambo. Por enquanto, está determinado a ganhar dinheiro e, quem sabe, adquirir algo de valor para um dia levar à família, nomeadamente, irmãos, mãe, pai e sobrinhos que ficaram nos quimbos e bairros da terra de origem.
Como todos os jovens na sua condição, a estratégia é a mesma, ou seja, chegar, ver, ouvir, estudar as oportunidades que o mercado oferece e, sem dar mais voltas, fixar residência.
Para trabalhar, Segunda Amaro escolheu o Mercado do Mundial, onde há um ano é carregador de banheiras de peixe fresco das inúmeras vendedoras que ali afluem todos os dias.
Segunda Amaro conta que percorre cerca de quatro quilómetros (ida e volta) do Mercado do Mundial, onde as senhoras adquirem o peixe, até à antiga ponte da Caterpillar, local onde poisam a mercadoria e as peixeiras apanham os carros que as levam de volta ao seu destino.
“Eu vim do Huambo em 2021 à procura de trabalho e quando cheguei, antes de me fixar, andei de bairro em bairro. Felizmente, depois de tanto andar, encontrei emprego aqui na praia de Cacuaco, no Mercado do Mundial, onde faço o meu ‘kadiengue’ de carregar peixe”, revela Segunda Amaro.
São parcos os recursos financeiros que advêm dessa “luta diária”, mas o nosso entrevistado diz que dá para sobreviver, pois tudo depende da generosidade da patroa para a qual se trabalha.
“Dá para aguentar a vida. As patroas pagam-nos entre 300 e 700 kwanzas por cada banheira de peixe, dependendo do tamanho da carga. Por dia, chegamos a levar para casa entre cinco a dez mil kwanzas. Claro que, com um valor destes e na condição de solteiro, já é um dinheiro que dá para o nosso sustento e guardar algum”, diz.
Segunda Amaro conta que como o negócio já dava alguma coisa, convidou o amigo Bernabé Francisco, de 19 anos, também natural do Huambo, para que se viesse juntar a ele.
Bernabé aceitou o convite do amigo e certo dia arrumou as “bikuatas” em direcção à capital do país. Era o início de uma nova vida, mas carregada de esforço e sacrifícios. A parceria entre Bernabé Francisco e Segunda Amaro vai de vento em popa e os dois carregadores do Mercado do Mundial acreditam no milagre da multiplicação dos peixes e um dia, não muito distante, voltarem ao Huambo com dinheiro suficiente para abrir um outro negócio nas lavras da família.
Marcelino Kajila “Jojó”, de 20 anos, que veio igualmente do Huambo, encontra-se em Luanda pela segunda vez, depois de já cá ter estado em 2021. Conta que levou tempo para se adaptar à nova realidade, mas acabou por ficar em Cacuaco, tendo optado, também, pelo serviço de carregar banheiras de peixe no Mercado do Mundial.
Adaptou-se a isso e fez desse trabalho o seu ganha-pão diário, depois de ser contratado pelas peixeiras que ali fazem o negócio. Como é de rotina, o rapaz caminha cerca de dois quilómetros, distância que vai do referido mercado à Via Expressa Kifangondo/Luanda a troco de 500 kzs, 700 kzs ou 800 kzs (quinhentos, setecentos ou oitocentos kwanzas), dependendo do peso.
Segundo o trio de entrevistados, o trabalho não tem dia definido, fazem-no de segunda à segunda-feira sem descanso, repousando apenas no período nocturno.
Na lista figuram, também, André Vikuanha, de 14 anos, por sinal o mais jovem do grupo, que veio a reboque de outros, em número de oito, que acabaram por se dispersar pela cidade, igualmente em busca de soluções para as suas vidas.
Conta que saiu de Bocoio, em Benguela, “arrastado” pelos amigos mais crescidos, com o propósito de vir a Luanda onde se dizia que o emprego é mais rentável, não se importando com o tipo de trabalho que iria fazer.
“Vim a Luanda num grupo de amigos que vinha procurar a vida. Faço esse trabalho porque é o emprego que encontrei com mais facilidade. Não é fácil exercer este tipo de trabalho porque é muito pesado, sobretudo para pessoas da minha idade. Mas o que fazer? Ganho pouco, mas o necessário para satisfazer as minhas necessidades básicas”.
Igual a Vikuanha, mas de maior idade, Fernando Nande, tem 20 anos e veio, também, de Benguela. Sua história não difere muito da dos outros. Veio a Luanda para trabalhar, ganhar dinheiro e sustentar a sua vida.
Entrega dos trabalhadores encanta patroas
“O aparecimento desses meninos é um alívio para nós”. De banheira à cabeça, carregando os haveres pessoais, Maria Teresa, 39 anos de idade, natural de Lucapa, Lunda-Norte, residente no Kicolo, em Luanda, é uma das vendedoras de peixe, que adquire no Mercado do Mundial. Reconhece nos meninos uma grande salvação para todas elas.
“É um alívio para nós, o aparecimento desses meninos. Eles estão a ajudar-nos muito. Desde que chegaram cá para fazer este trabalho nós deixámos de carregar esses pesos na cabeça. Pagamos-lhes consoante o tamanho da banheira a carregar. Às vezes, chega-se a pagar trezentos kwanzas pela carga, outras vezes muito mais que isso”, conta Maria Teresa.
À semelhança de Maria Teresa, Josefa Casimiro, corpo robusto, característica própria de peixeiras, tem 42 anos de idade e vive do mesmo negócio. Narra, de forma mais extensiva, o padecimento que passam as zungueiras de peixe nesta urbe.
“Ó mano, você próprio imagina só. A maioria das vezes temos de acordar à madrugada para apanhar os primeiros candongueiros que nos levam à praia, esperar que os pescadores cheguem com o negócio e depois de comprar, procurar forma de levar as banheiras de peixe até às nossas paragens”, contou Josefa Casimiro.
Moradora no conglomerado habitacional do Mayé Mayé, a nossa entrevistada enaltece o serviço prestado pelos “roboteiros” do peixe.
“Deixa só. Esses meninos são grandes batalhadores. Olha só para este rapazito ainda com aspecto de menininho, mas olha a carga que está a empurrar!!! Só foi bom eles terem deixado as suas terras para vir fazer este trabalho para nós, porque os nossos jovens de Luanda não aceitam fazer isso, são armados em finos e esquecem-se das suas necessidades. Agradeço muito a Deus o facto de ter tocado nos corações desses meninos, para virem cá em Luanda trabalhar nessa profissão”.
Muito à vontade na sua fala, Josefa Casimiro diz que muitas das suas colegas já sofreram burlas, pois alguns roboteiros acabam por fugir com a carga e nunca mais voltam ao local.
Mas, conta, são ossos do ofício. O importante é que nem todos são assim. A maioria procura ganhar o seu pão de forma honesta. Roboteiros e peixeiras têm uma relação de mãe e filho.
Fonte: JA