Presidente aprovou um ajuste direto milionário para construir edifícios administrativos, fazendo lembrar o “Bairro dos Ministérios”. Jurista alerta que ajustes diretos sem caráter emergencial podem propiciar a corrupção.
O Presidente angolano, João Lourenço, aprovou um ajuste direto de quase 700 milhões de euros para a realização de uma empreitada no regime de concepção e construção de infraestruturas administrativas em Luanda. O despacho faz lembrar o contestado Centro Político e Administrativo, que ficou conhecido por “Bairro dos Ministérios”, em 2019. O empreendimento previa 28 edifícios ministeriais e várias unidades de apoio na orla marítima de Luanda, na Chicala.
João Lourenço tem sido criticado pelo seu “recurso” a ajustes diretos de algumas empreitadas em detrimento de concursos públicos abertos.
Em entrevista à DW, o jurista Daniel Maurício sublinha que o mais recente decreto é “dúbio” e considera que recorrer a ajustes diretos sem caráter emergencial pode propiciar a corrupção.
DW África: Quais são os pressupostos para a adoção dos ajustes diretos? Em que casos devem acontecer?
Daniel Maurício (DM): Este não é o primeiro caso, mas estas adjudicações ou ajustes diretos, pese embora a lei os consagre, seria bom que respeitassem todos os pressupostos constantes da lei da contratação pública. Os ajustes diretos são praticados em casos emergenciais. Quando estamos diante de uma catástrofe natural, por exemplo, o Presidente da República pode praticar o ajuste direto. Mas nós estamos num país onde é necessário adotar sempre o princípio da transparência. Foi assim que nasceu a oligarquia rapaz que vigorou no tempo do “eduardismo”: um grupo de pessoas privilegiadas abocanhavam todas as obras e acabaram por levar o país para o fundo do poço.
DW África: Considera que o não cumprimento desses pressupostos pode propiciar a corrupção?
DM: [Quando se pratica] um ajuste direto em que não se denota qualquer emergência, é claro que estamos perante um caso aberrante que merece a nossa indignação e o nosso questionamento [para saber] quais são as razões de fundo que levaram o Presidente da República a praticá-lo. O próprio decreto em si é bastante dúbio e confuso. Não dá quaisquer explicações exaustivas aos contribuintes sobre o porquê desse ajuste direto.
DW África: Os ajustes diretos podem também favorecer determinadas empresas, inclusive estrangeiras, em detrimento de concursos públicos?
DM: Na minha opinião, pode dar lugar à abertura de uma longa avenida para o favorecimento de um grupo de amigos que detém algumas empresas. E não é novidade para ninguém que grande parte das empresas que têm ganho os ajustes diretos, em alguns casos, não têm qualquer percurso ou tecnicidade suficiente para as obras. Isto pode propiciar a corrupção, o que não é benéfico para um país que está, de certa maneira, a querer ultrapassar esta má fase da nossa história que é a corrupção.
DW África: Recentemente, a propósito da lei do Orçamento Geral do Estado, a UNITA levantou a questão de os deputados não terem acesso aos processos, não conseguindo, por exemplo, avaliar a percentagem de contratos que são feitos por ajuste direto. Também nesse sentido deveria haver mais transparência?
DM: O caso mais recente são os excedentes da exportação de petróleo. Em nenhum momento, os oficiais do poder executivo ou o próprio Executivo em si vieram esclarecer como é que está a ser gasto esse dinheiro. Os nossos deputados estão aqui “amarrados”, não têm qualquer atividade de fiscalização no que refere aos atos governativos. Um país em que o Executivo não é fiscalizado e faz as coisas a seu bel-prazer dá lugar ao nascimento de uma nova família de corruptos, o que não seria nada bom, uma vez que o combate à corrupção foi uma das principais bandeiras de João Lourenço na campanha eleitoral. Mas temos vários casos gritantes de corrupção e todos eles têm caminho para esses ajustes diretos que volta e meia vão atiçando a curiosidade dos contribuintes.
Fonte: Angola24horas