Se a guerra acabasse hoje, já se sabe quanto custaria reconstruir a Ucrânia – Moscovo adverte que tentar prender Putin é uma declaração de guerra
Há quase 13 meses que a Ucrânia é bombardeada diariamente em todas as regiões, através de misseis e drones russos, mas com especial impacto no leste do país, onde se situa a linha da frente da guerra, com as imagens que, ao ritmo das explosões que geram destruição e morte, saltam para as televisões e sites de todo o mundo, mas ninguém sabia quanto custa a reconstrução… e são números astronómicos.
Num estudo realizado pelo Governo de Kiev, pela União Europeia, as Nações Unidas e pelo Banco Mundial, reconstruir a Ucrânia, fica claro que reverter toda a destruição que se viu, e continua a ver, quase em directo, nestes 13 meses, vai ficando mais caro.
Nestas contas entram também os oito anos anteriores a 24 de Fevereiro de 2022, numa guerra silenciada pelos media ocidentais, na região independentista do Donbass (Donetsk e Lugansk, hoje províncias anexadas em 2022 pela Rússia, tal como Kheron, Zaporijia, e, desde 2014, a Crimeia), onde as forças ucranianas mantinham um persistente bombardeamento das regiões “rebeldes”.
São já precisos, segundo este documento, 411 mil milhões de dólares para apagar as marcas físicas da guerra na Ucrânia, porque os efeitos psicológicos devastadores nas populações afectadas, tanto do lado ucraniano como do agora lado russo nas regiões anexadas, embora sem o reconhecimento das Nações Unidas, são inapagáveis.
Este valor tem vindo a ser revisto periodicamente e o aumento tem sido pelo menos tão abrasivo como as batalhas que justificam cada vez mais gastos e só este ano, segundo este relatório de antecipação de custos de reconstrução, o regime de Kiev vai precisar de 14 mil milhões USD só para acudir a situações de emergência, como o são desde logo as reparações das linhas de transporte e centrais de produção de energia, ou ainda pontes e caminhos de ferro, alvos preferenciais da artilharia de longo alcance de Moscovo.
Só entre Setembro do ano passo e o início de Março deste ano, este valor subiu mais de 60 mil milhões de dólares norte-americanos.
Kremlin avisa que tentar prender Putin e declarar guerra à Rússia
Depois de o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o porta-voz do Kremlin, ou de Vladimir Putin, terem desvalorizado o anúncio do Tribunal Penal Internacional (TPI) de que foi emitido um mandado de captura sobre o Presidente russo, devido à deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia, agora, o vice-presidente do Conselho Nacional de Segurança e antigo Presidente e primeiro-ministro da Federação Russa, Dmitri Medvedev, veio a público subir um patamar nas ameaças ao ocidente.
O aliado mais próximo que se conhece de Vladimir Putin disse que qualquer tentativa de deter o Presidente Putin será uma “declaração de guerra à Rússia” com todas as consequências de se ter atravessado essa linha.
O mandado emitido pelo TPI diz que Putin é o primeiro responsável pela deportação de milhares de crianças das regiões próximas do conflito, nomeadamente as que são agora consideradas território russo após a anexação, mas o Kremlin considera este argumento sem fundamento porque se trata de um gesto humanitário que permitiu retirar milhares de crianças da linha de fogo e que muitas delas estariam, provavelmente, mortas ou em hospitais devido aos bombardeamentos constantes das áreas de onde acabaram por sair.
Mais que avisar que qualquer tentativa de cumprimento do mandado do TPI será uma declaração de guerra, Medvedev, que é conhecido pela sua volatilidade de pensamento e no vasto leque de exageros nas suas declarações, garantiu que quem o fizer está imediatamente na linha de fogo de todo o potencial russo, incluindo os misseis de maior alcance, como os novos precisos e hipersónicos Khinzal, com mais de 3.000 kms de alcance e que podem ser disparados de multiplataformas.
Segundo declarações do antigo senhor do Kremlin aos media russos, o TPI é uma “não identidade” sem qualquer fundamento para proceder desta forma contra Vladimir Putin, considerando ser apenas um mero instrumento ao serviço da frente ocidental anti-russa ao qual nem a Rússia, nem a China, ou os EUA, Israel e a própria Ucrânia, entre dezenas de outos países, não reconhecem a existência.
E, depois, criando uma imagem bizarra, Dmitri Medvedev, propôs um exercício de imaginação aos jornalistas: “Imagine-se que, por uma qualquer razão, que não é sequer considerada hoje como possibilidade por Moscovo, Vladimir Putin deslocava-se à Alemanha e era ali detido?!!”.
“O que é que acham que iria acontecer? Seria visto pela Federação Russa como uma declaração de guerra e os misseis russos começariam a voar nesse preciso momento em direcção ao Bundestag (Parlamento) e ao gabinete do chanceler alemão!!”, avisou.
Em Zaporijia pode ser mais a sério
Se as palavras de Medvedev já ganharam o estatuto de atoadas, que poucos levam a sério, e que alguns analistas consideram ser uma fórmula de Moscovo manter acesa a chama da possibilidade real de um Armagedão nuclear, como advertência a essa possibilidade permanente aos norte-americanos e europeus, já a situação na central nuclear de Zaporijia, a maior da Europa, é de forma a gerar verdadeiro receio de um desastre de proporções catastróficas.
Há largos meses que se sabe que esta central, com seis reactores com grande capacidade, 6MW, tendo como comparação a central de Chernobil, que era de 4GW quando em 1986, com a explosão de um deles, provocou dezenas de milhares de mortos, está na linha da frente da guerra na Ucrânia, tendo sido tomada pelas forças russas logo após o início da invasão.
Já foi alvo de ataques directos pela artilharia ucraniana, apesar de Kiev negar, mas estando na posse dos russos, seria difícil que fossem estes a atacarem-se a si próprios, e por diversas vezes, foi desligada da rede pública, precisando de geradores para evitar acidentes catastróficos com a paragem dos sistemas de arrefecimento automáticos dos núcleos dos reactores.
Agora, o director da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o italiano Rafael Grossi, veio lançar mais um alerta para a situação de grande fragilidade em que esta central se encontra, devido ao facto de ter sido desligada da rede pública após mais uma sucessão de ataques russos às centrais de produção de energia ucranianas e à sua rede de distribuição.
“A situação nessa cenral permanece efectivamente precário e todos os cuidados são poucos”, disse Grossi, que mantém uma equipa de especialistas da AIEA no local em permanência há vários meses, depois de ter chegado a acordo com os russos para que permitissem a entrada desses elementos na infra-estrutura.
Este cenário piorou depois de terem falhado as tentativas de religar a central à rede eléctrica pública no início de Março, o que obrigou a prolongar a assistência de emergência por grupos de geradores.
Com este cenário, Rafael Grossi admite que os riscos crescem.
A AIEA tem mantido um permanente alerta para o que seria um problema estrutural num dos seis reactores, o que, se não fosse contido a tempo, espalharia uma nuvem letal radioactiva em milhares de quilómetros em seu redor, atingindo além da Ucrânia e da Rússia, mais próximos, a Europa central, desde a Polónia ao Atlântico, englobando Alemanha, França, Itália, Espanha, e, provavelmente Portuga… além dos países nórdicos.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma “operação militar especial”, sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o “império soviético”, que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à “operação especial” de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo…
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
Fonte: NJ