Joe Biden entrega, nesta segunda-feira, 20 de Janeiro, o poder a Donald Trump, seu sucessor como Presidente dos Estados Unidos da América, exactos 50 dias depois da histórica visita que fez à Angola entre 2 e 4 de Dezembro de 2024. A imprensa recorda-lhe os momentos marcantes da estadia do Presidente da maior potência do mundo a este país da África subsariana e lusófona.
Biden fica na história das relações político-diplomáticas de Angola e dos EUA como o primeiro chefe de Estado norte-americano a visitar o nosso país, há exactamente 50 dias. A imprensa recorda-lhe os momentos que marcaram a cobertura jornalística através de depoimentos de profissionais de vários órgãos de Comunicação social, entre nacionais e internacionais, públicos e privados, convencionais e alternativos, que estiveram engajados na cobertura.
Este jornal teve também equipas destacadas no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro para a recepção, na Cidade Alta no encontro oficial entre os presidentes de Angola, João Lourenço, e dos EUA, Joe Biden, ainda no Museu Nacional da Escravatura, onde Biden discursou, e na província de Benguela, onde assinou um importante acordo para a dinamização do Corredor do Lobito.
A cobertura começou por volta do meio-dia daquela segunda-feira, 2 de Dezembro de 2024, com credenciamento dos jornalistas nacionais para a recepção do então Presidente da nação mais poderosa do mundo.
Na entrada do complexo presidencial do Aeroporto Internacional vários profissionais ficaram de fora por não terem sido credenciados. Na lista inclui jornalistas de órgãos oficiais do Estado angolano, bem como de correspondentes internacionais. Como é o caso de Borralho Ndomba, jornalista angolano ao serviço da emissora alemã Deustche Welle (DW), e que não assistiu o avião presidencial norte-americano (designado de Air Force One), a aterrar em solo angolano, nem Biden a descer e a caminhar pelo tapete vermelho, para si estendido, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro.
O jornalista e coordenador da TV Jovial (ligada ao Cefojor), Satildo Wladimir, consta da lista de profissionais que estiveram na placa do aeroporto para testemunhar a chegada de Biden.
Satildo recorda, com nostalgia, o significado daqueles momentos para a sua carreira profissional.
“Fazer parte do staff de jornalistas que cobriu a vinda do presidente norte-americano a Angola, de 2 a 4 de Dezembro do ano transacto, foi uma experiência proveitosa na qualidade de jornalista, tendo em conta a dimensão e a especificidade do evento. Não é todos os anos que temos uma figura daquele nível em solo angolano. Nós os jornalistas de uma forma geral, sentimos uma responsabilidade maior em relação aos outros eventos”, começou por responder Satildo Wladmir.
O jovem jornalista, que dirige uma tv online, justifica o sentimento de responsabilidade com o facto de acreditar que na altura da visita do presidente da nação mais poderosa do mundo, os jornalistas angolanos, estavam a ser monitorados pela imprensa mundial, através das suas coberturas.
“O mundo estava com os olhos focados em Angola, não apenas para se informar sobre a agenda de trabalho do presidente Joe Biden, mas também, para acompanhar o desempenho da imprensa nacional“, disse.
Chamado a apontar pontos marcantes, Satildo olhou para a visita do ponto de vista político-diplomático, ao entender que o Presidente Biden devia, seguindo os exemplos de Emanuel Macron (França) e Lula da Silva (Brasil), reunir-se com a classe empresarial dos dois países, “ao invés de se limitar em reunir apenas com o Grupo Carrinho. Dou nota negativa a isso. Mas acrescentar que é compreensível a estratégia usada, se assim se pode considerar”.
o então presidente da maior potência mundial conversou por cerca de meia hora com funcionários da embaixada norte-americana em Angola e familiares, incluindo crianças, logo após descer do Air Force One que o transportou para Angola. Um movimento nunca antes visto em Angola foi vivido não só no aeroporto, mas em toda a capital do país, onde se observou a tolerância de ponto nos três dias da visita. O espaço aéreo nacional ficou fechado toda a tarde daquela segunda-feira.
O dia seguinte, o do encontro oficial entre os dois estadistas, foi marcado por intensas chuvas nas primeiras horas e ao longo de todo o dia, com intervalos que permitiram o cumprimento da agenda de trabalhos sem sobressaltos.
Os jornalistas foram todos recolhidos no Centro de Ciência de Luanda, na zona baixa da capital angolana, e viajaram de autocarros até a Cidade Alta, seguindo o protocolo até ao jardim do Palácio Presidencial, onde estava montado o ‘quartel general’ dos jornalistas.
Apesar do rígido e rigoroso sistema de segurança que a situação exigia, a equipa de assessoria da presidência angolana cuidou para que nenhum jornalista ficasse de fora da cobertura como se assistiu no dia anterior, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro.
Aqui, e por conta da chuva, houve tempo para que jornalistas nacionais trocassem impressões e contactos com colegas vindos de outras latitudes e até posaram para fotografias que ficam para a posteridade.
Internet grátis foi disponibilizada para todos os profissionais aí presentes. A falha, relataram os jornalistas, foi a falta de tradutores para a imprensa nas tendas.
Clara Balcells e Frida Torres, ambas jornalistas ao serviço do jornal espanhol One Media World foram as mais acessíveis para os jornalistas angolanos. Além de entrevistas, trocaram contactos.
Mais de 100 jornalistas estavam na Cidade Alta. 26 dos quais tiveram acesso à sala do palácio, em que João Lourenço e Joe Biden estavam reunidos.
A jornalista espanhola Clara Balcells da One Media World considera histórica e que “ninguém jamais a esquecerá”.
Clara afirma mesmo que a visita de Biden a Angola foi um ponto de viragem, tanto a nível emocional como simbólico.
“O facto de ver um presidente dos EUA pisar solo angolano realçou a importância crescente do país na cena mundial. O seu empenho no investimento do Corredor do Lobito simbolizou a esperança num futuro unido e próspero”, disse, acrescentando que para Angola, foi mais do que uma visita diplomática, mas “o reconhecimento da sua resiliência e potencial, um momento de cura e possibilidade após décadas de luta“.
Depois de ter perdido a chegada do Biden a Angola, no aeroporto, Borralho Ndomba foi das primeiras pessoas a chegar ao local de concentração no dia 3 de Dezembro para acompanhar e narrar pormenorizadamente os factos para o canal alemão.
O profissional começou por dizer que a cobertura foi marcante para a sua carreira profissional, por se tratar da primeira vez que um chefe de Estado norte- americano visita Angola.
“Não sabemos quando voltaremos a ter um evento do género”, sublinhou.
Desafiado a apontar pontos marcantes, Borralho Ndomba começou por recordar o episódio vivido no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, no dia em que Biden aterrou em Luanda.
“Eu e o órgão pelo qual trabalho, por exemplo, não deram oportunidade de estar no aeroporto para cobrir a chegada de Biden. A justificação não foi convincente”, disse.
O correspondente da DW África em Angola mostrou-se também indignado com o facto de a imprensa ter sido colocada nas tendas montadas no Jardim do Palácio, ao que chamou de confinamento.
“Essa coisa de credenciar os órgãos e depois confinar os jornalistas numa tenda onde cobrem o evento através de uma tela, a depender das transmissões do CIPRA ou da TPA, é um total desrespeito aos profissionais e aos órgãos de comunicação. Um jornalista não deve deixar a sua redacção para ir cobrir um evento através da televisão”, afirmou, acrescentando que é uma situação recorrente nas coberturas de alto nível político em Angola, incluindo na Assembleia Nacional.
“Os meus olhos não são os olhos do repórter de imagem de órgão y. Cada jornalista tem a sua forma de constatar os factos. Porquê obrigar os profissionais a depender dos ângulos de outros colegas? (…) É algo que deve ser denunciado para haver mudança”, afirmou.
Apesar disso, Borralho conseguiu ‘fugir’ da Tenda e aproximar-se da porta do Palácio, para poder fotografar o momento em que o presidente João Lourenço estendeu a mão ao seu homólogo visitante.
“Tentei e deu certo”, disse orgulhoso, por ter conseguido estar a 30 metros das duas entidades no momento da recepção de Biden no Palácio Presidencial, por João Lourenço.
O jornalista, que já soma 10 anos como correspondente internacional, disse, também, que a cobertura à visita de Biden ao país deve servir como um exemplo, no que diz respeito à relação com a imprensa, e por isso foi o ponto positivo de toda cobertura, quando questionado.
“Penso que é o tratamento que [a assessoria de Biden] dá aos jornalistas. Foi a primeira vez que fiz uma cobertura de um evento presidencial sem intimidações do pessoal da segurança. Os seguranças da presidência [angolana] não sabem qual o papel da imprensa. Eles empurram os repórteres de imagens que só querem captar o melhor ângulo. Mas não foi isso que vi com a segurança americana. O pessoal americano abria espaço para que o profissional pudesse trabalhar à vontade”, afirmou recordado.
Quem também esteve no Palácio Presidencial é Fernando Calueto, profissional com créditos firmados no Novo Jornal.
Para este profissional, o maior desafio da cobertura foi submeter-se “às exigências protocolares dos americanos a todos os níveis”.
Calueto diz que aquele momento ficou gravado para sempre na sua memória pessoal e carreira profissional.
“Presenciar toda a movimentação diplomática e militar, das forças de defesa e segurança dos EUA, durante a permanência do Presidente Joe Biden, em Angola, foi de facto admirável e real, pois apenas tinha esta realidade de forma virtual e imaginária”, afirmou.
Museu da Escravatura e Benguela
Depois das conversações oficiais na Cidade Alta, os jornalistas rumaram todos para o Museu Nacional da Escravatura, no litoral sul da capital do país.
Foi debaixo de uma chuva miúda que os jornalistas desceram do autocarro no Museu e entraram para a tenda, enquanto era montado o cenário e o púlpito para Joe Biden discursar cerca de 50 minutos depois.
Neste momento, Emílio José, da Rádio Mais, fazia o seu directo. O primeiro, entre todos os profissionais ali presentes.
Para ele, “a notícia da visita de Joe Biden ao nosso país (Angola), foi um chamariz que aguçou todos os meus sentidos como jornalista”, sustentando que estar na equipa de cobertura marcou-lhe de forma memorável.
“Quando fui chamado das minhas férias para cobrir a visita, sabia que entraria para o topo das melhores coberturas que já realizei nos meus 15 anos de carreira jornalística”, confidenciou.
Editor e antigo Chefe de Redacção da ‘maior rede de rádios privadas’ do país apontou algo marcante em toda a sua cobertura.
“A sensação de ter o país nas ‘mãos’ alheias, foi para mim muito desagradável, nas ruas, pareciam que nos seguiam passo a passo com sorrisos assustadores no rosto de ‘diferentes’”, afirmou.
Estar a 30 metros do presidente da maior potência mundial e “ver aquele todo o aparato que o protege e assessora a funcionar” representou, para Emílio José o momento mais alto da cobertura.
“Nada foi igual ao que terei visto antes”, sentenciou.
Pedro Tchindele, jornalista da Rádio Ecclésia em Benguela, esteve engajado na cobertura, na cidade do Lobito.
Reconhece que estar na comitiva de jornalistas que cobriram a visita de Joe Biden foi uma experiência desafiadora e, ao mesmo tempo, intensa.
“A presença de um presidente dos EUA envolve altos níveis de segurança, o que limita o acesso e exige paciência e flexibilidade. Nalguns casos, como a obtenção dos áudios, tínhamos de recorrer a outros órgãos que tinham acesso directo aos eventos. Os encontros entre os líderes de mais de cinco nações ou as visitas a projectos financiados por parcerias bilaterais requereu, da minha parte, rapidez e precisão para captar os factos em tempo real, noutros órgãos , porque em muitos momentos não nos foi permitida à entrada aos locais de discussão, por questões de segurança” recordou.
O profissional da emissora Católica de Angola que para que tivesse uma cobertura exitosa, foi importante estar atento ao que acontece fora do protocolo oficial”.
Quem teve uma experiência diferente de Pedro Tchindele é o jornalista António Sacuvaia, que ao serviço do Correio da Kianda, viajou, sozinho de carro próprio de Luanda a Benguela, no dia 3 de Dezembro para narrar os pormenores de tudo quanto ocorresse naquela província do Sul do país. Foram precisas apenas seis horas para vencer os mais de 500 quilômetros que separam as duas cidades que receberam o presidente Biden. Credenciado a partir de Luanda, o funcionário mais antigo do Correio da Kianda, teve a sorte de figurar da lista de profissionais seleccionados para estar na sala onde Joe Biden reuniu com os presidentes dos países que conformam o Corredor do Lobito.
Sacuvaia fala, com orgulho, da experiência de estar na mesma sala que o Presidente da nação mais poderosa do mundo, além de João Lourenço e outros três chefe de Estado africanos.
“Fazer parte dos jornalistas africanos a cobrir a visita de Joe Biden a Angola, foi, para mim, o momento mais significante, marcante e desafiante em 2024, nestes meus 14 anos como profissional de comunicação“, afirmou nostálgico.
Para este profissional, que já soma 14 anos no mundo da Comunicação Social, o que mais o marcou na cobertura, foi o rigor dos serviços secretos e protocolo norte-americano, na revista do material de trabalho dos jornalistas, e “na forma como nos preparavam para como nos posicionar, quando estivéssemos no interior da sala”, o que para si, serviu de aprendizagem em cobertura de eventos de alto nível de segurança.
Enquanto os demais colegas relatavam cansaço pelo excesso de revista pelos serviços secretos, António Sacuvaia releva que aproveitou os momentos que antecederam a cimeira para praticar o seu inglês com os colegas jornalistas americanos, apesar de não revelar o teor das conversas.
“Juntar-me a jornalistas internacionais, conversar com eles em Inglês, partilhar conhecimentos, foi para mim, um outro momento desafiador também, mas o mais marcante mesmo, foi estar assim, a metros com um presidente norte-americano, que só via-o pela televisão”, finalizou.
Fonte: CK