Partido agora liderado por Adalberto Costa Júnior, que no próximo sábado realiza um ‘magno evento’ para comemorar os mais de meio século de existência, encontra-se em melhor posição política como nunca esteve, pelo menos desde a implementação da democracia, há 30 anos. Entretanto, também regista mais divergência interna, tendo em conta que a sombra de Isaías Samakuva continua a fazer mossa.
A UNITA, que lidera a oposição ao MPLA desde o nascimento da democracia, em 1991, completa, a 13 deste mês (Março), 58 anos de existência.
Fundado em 1966, na localidade de Muangai, província do Moxico, por dissidentes da FNLA, com Jonas Savimbi à testa, a organização também conhecida por ‘galo negro’ ou ‘maninhos’, atravessou inúmeras vicissitudes, que passou pela luta pela independência, dedicou-se à luta fratricida visando a democratização do país, vivenciou e acabou por ser um instrumento da ‘Guerra Fria’ encabeçada pelas maiores potências mundiais, Estados Unidos da América e a União Soviética (liderada pela Rússia).
Ao longo dos 36 anos em que foi liderado pelo seu fundador Jonas Savimbi, este que morreu em combate em Fevereiro de 2002, no Moxico, a UNITA jamais chegara a ser um partido político convencional, embora tenha participado nas primeiras eleições gerais de 1992, os ‘maninhos’ ainda detinham as Forças Armadas e um Serviço de Inteligência equiparados às forças de Defesa e Segurança de qualquer Estado em subdesenvolvimento.
Dispunha de um significativo apoio financeiro e material dos Estados Unidos da América e tinha representações diplomáticas em Lisboa, Londres e demais capitais europeias.
A nível interno, nestes 58 anos, a UNITA chegou mesmo a controlar maior espaço geográfico em relação ao Governo instituído, tendo com isso acedido a várias áreas de exploração diamantífera, zonas florestais, além da venda de marfins, como denunciaram diversos especialistas de inteligência. Na prática, o ‘galo negro’ tornara-se num Estado dentro do Estado angolano administrado pelo MPLA.
Toda essa proeza, sublinha-se, foi alcançada antes do nascimento da democracia, e se manteve até pouco tempo depois das eleições de 1992, cujos resultados foram recusados pela oposição.
A recusa dos resultados, encabeçada pela UNITA, teve, no início, a simpatia de algumas capitais ocidentais, face à retórica democrática desenvolvida pelos ‘maninhos’, mas o conflito militar que se seguiu levou a que esses parceiros dessem gradualmente costas a Savimbi e seus quadros.
Já antes haviam-se registado importantes dissidências como a de Miguel N´zau Puna e Tony da Costa Fernandes, que abandonaram o partido por descontentamento com a forma como Jonas Savimbi, administrava a organização, uma gestão alegadamente marcada por excesso de autoritarismo. Na ocasião, também denunciaram as execuções de Tito Chingunji, Wilson dos Santos, e outros importantes quadros.
Jonas Savimbi conheceu a morte aos 68 anos, no Lucusse, Moxico, com o corpo cravado de balas.
O caminho sem a sombra de Savimbi
Jonas Malheiro Savimbi foi o motor da máquina da UNITA. Não se vislumbrava, pelo menos do contexto de então, uma UNITA sem Jonas Savimbi, o seu ‘Guia e Mestre’. Além disso, estavam divididos em fracções: os das matas, que tinham a sensação de serem os herdeiros legítimos; os da diáspora, tomados pela percepção de serem os mais refinados e intelectuais, e os que se viriam, a partir de Luanda, a conceber a UNITA-Renovada, e ainda os que estiveram nas cidades, mas que não aderiram à Renovada, como foi o caso de Abel Chivukuvuku, por exemplo.
Diante desse gigantesco desafio, valeu a maestria do General Paulo Lukamba Gato, que então, na qualidade de secretário-geral do partido, juntou toda manta de retalho, e tudo fez para a realização de um congresso electivo, algo nunca vivenciado pela UNITA.
O diplomata Isaías Samakuva venceu o conclave e passou a ser reeleito em todos os congressos que se seguiram pelo menos até 2019, em que optou por não mais avançar.
Os seus 16 anos à frente da UNITA foram marcados pela penetração gradual do partido junto da sociedade angolana, dado que, por conta da propaganda, havia uma percepção antagónica para com os quadros dos ‘maninhos’. Ficou também marcado por uma direcção de ‘mão de ferro’. Actos de contestação ao presidente eram repelidos com suspensões e expulsões, nalguns casos.
O próprio General Gato e Abel Chivukuvuku chegaram a ser suspensos por 45 dias por suspeitas de terem sido os patrocinadores do Grupo de Reflexão, criado por alguns quadros do partido, que exigiam a realização do congresso, numa altura em que a direcção fazia alegadamente certa resistência.
Além de Gato e Chivukuvuku, haviam sido igualmente suspensos o antigo médico de Jonas Savimbi, Carlos Morgado, Vicente Vihemba, Américo Chivukuvuku, Rafael Aguiar, Joaquim Muafuma, Xavier Jaime, Manuel Tadeu, António Tchiulo Felipe e Evaristo Chicolomuenho.
O General Samuel Chiwale, um dos co-fundadores da UNITA, o único ainda em vida, também fora alvo de processo disciplinar, com uma investigação em curso.
Nessa altura, já haviam sido realizadas as eleições legislativas de 2008, em que a UNITA obteve apenas pouco mais de 10% dos votos, e o MPLA 81%. Foi um duro golpe. Parecia que o ‘galo negro’ iria sucumbir, mas manteve a fé e continuou a marcha.
Em Abril de 2012, Abel Chivukuvuku abandona o partido, justificando com as constantes perseguições por parte da direcção encabeçada por Isaías Samakuva, com ele sai também um grupo de militantes, cujo número nunca foi oficialmente divulgado.
No final, Abel Chivukuvuku e seus seguidores com os quais saíra da UNITA, tornaram-se numa ameaça real aos ‘maninhos’. No ano em que concebeu a coligação CASA-CE, em pouco menos de cinco menos das eleições, conseguiu eleger oito deputados, tendo no pleito a seguir feito eleger 16.
A era ACJ
Embora no tempo de Jonas Savimbi, a UNITA tenha alcançado proeza digna de realce, desde a penetração no círculo do poder no Ocidente, controlo de vasto território a nível nacional, e acesso às riquezas sem interferência das autoridades instituídas, a UNITA dos dias que correm, é politicamente mais atractiva e robusta pelo menos desde o nascimento da democracia.
Com Adalberto Costa Júnior à frente da máquina, em 2022, a UNITA alcançou algo inédito. Elegeu ao todo 90 deputados à Assembleia Nacional, destronou o MPLA em Luanda, onde obteve mais de 62% dos votos, contra 32% do MPLA. Venceu igualmente ao MPLA nas províncias do Zaire e Cabinda, as duas circunscrições maiores produtoras de petróleo do país.
A UNITA dos últimos quatro anos, conseguiu galvanizar o povo à sua volta, como nunca havia ocorrido. Entretanto, independentemente dos resultados, há várias correntes internas que criam bloqueio à nova direcção, sendo que a sombra de Isaías Samakuva continua a fazer mossa.
Após estarem mais próximos de alcançarem o poder, os maninhos desenvolveram hábitos antagónicos entre si com a criação espontânea de grupo denominados Samakuvistas e Adalbertistas. A nível interno, ao que o Correio da Kianda apurou, Isaías Samakuva havia adoptado uma estratégia de não se fazer presente em actos em que também estivesse presente Adalberto Costa Júnior.
Foi assim que na abertura das cerimónias oficiais de enterro das ossadas de Salupeto Pena e de Adolosi Mango Alicerces, antigos quadros seniores da UNITA, mortos durante os confrontos de 1992, Samakuva optou por estar presente no dia seguinte a abertura, no Complexo Sovsmo, e fez o mesmo no Bailundo e no Andulo, onde foram enterradas as ossadas. Ou seja, Samakuva foi aos locais após a saída da comitiva presidencial.
Foi igualmente assustador para diferentes militantes, o facto de os quadros identificados como Samakuvistas, bem como o próprio Isaías Samakuva, não manifestarem publicamente desagrado pelo modo como os meios de comunicação social estavam a tratar Adalberto Costa Júnior, durante a campanha eleitoral de 2022.
Portanto, nos seus 58 anos, a UNITA está mais forte dada a aceitação popular, mas essa força pode ser ‘sol de pouca dura’, caso não haja maior unidade interna.
Fonte: CK