Os estrangeiros a viver em Angola enviaram 436,5 milhões USD em remessas para o estrangeiro em 2023, o que representa uma redução de 58% face aos 1.039,1 milhões USD contabilizados em 2022, segundo cálculos da imprensa com base nos relatórios trimestrais sobre as remessas e outras transferências pessoais do Banco Nacional de Angola (BNA).
Contas feitas, menos 602,6 milhões USD do que em 2022. A culpa é da forte desvalorização cambial que se verificou no ano passado, que tornou os custos com as transferências mais altos, uma vez que são precisos mais kwanzas para comprar dólares ou euros. A desvalorização no ano passado resultou pelo facto de os bancos comerciais terem tido acesso a uma média de 600 milhões USD por mês, uma forte queda face aos cerca de 1.200 milhões a que tinham em 2022.
A isto associa-se o facto de a procura se manter elevada em resultado das necessidades do mercado e das expectativas geradas sobre o regresso do Tesouro ao mercado cambial, facto que não ocorreu em 2023, traduzindo-se no aumento da pressão sobre a taxa de câmbio. Essa pressão sobre a taxa de câmbio traduziu-se numa depreciação de 39% da moeda nacional face ao dólar. Com o kwanza mais fraco, menos disponibilidade de moeda estrangeira para atender às necessidades dos clientes e com elevada procura dos clientes, os bancos apresentaram grandes dificuldades para transferir divisas para o exterior, e muitas transferências levavam cerca de três a quatro meses para serem concluídas, o que acabou por impactar negativamente também nas remessas dos imigrantes e outras transferências para o exterior.
As remessas são rendimentos enviados pelos residentes de um país para outro país, e representam uma importante fonte de rendimento para as famílias, potenciando o crescimento e o desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, as remessas representam uma soma considerável, o que as tornam a segunda fonte de financiamento destes países, ficando somente atrás do investimento directo estrangeiro.
As condições macroeconómicas e a falta de instrumentos financeiros atractivos ou alternativos ao investimento são algumas das causas da crescente saída de remessas do País tal como se verificou entre 2019 e 2022. Por outro lado, a diáspora angolana parece não ter interesse em regressar ao País e guarda o seu dinheiro lá fora. Assim, em 2023, os angolanos a trabalhar no estrangeiro enviaram apenas 12,1 milhões USD para Angola, uma queda 13% face aos 13,9 registados em 2022.
O que Angola recebeu dos seus emigrantes na diáspora vale apenas 2% das remessas que os expatriados enviam para os seus países de origem. Contas feitas, o saldo das remessas e outras transferências pessoais registou um défice de 424,4 milhões USD, à semelhança dos períodos anteriores, quase na mesma proporção das remessas enviadas para o resto do mundo, uma vez que as remessas recebidas do exterior continuam a registar valores muito baixos.
Há um enorme divórcio entre a diáspora e o País
Para o economista Heitor Carvalho, “há um enorme divórcio entre a diáspora e o país”, isto porque o que entra em Angola é quase nada quando comparado com o dinheiro que sai lá para fora. “Um emigrante sonha normalmente em voltar ao seu país para uma velhice descansada, numa casa própria e, eventualmente, com um pequeno negócio próprio.
Para isso envia dinheiro para o seu país. Mas qual é a possibilidade de um angolano comprar um terreno e construir uma casa a partir do exterior ou mesmo para um pequeno negócio? Por muito que queiram, os angolanos que vivem e trabalham no exterior não encontram forma de investir no seu país. E depois temos a inflação galopante a deteriorar todos os activos em Kwanzas e as dificuldades administrativas para o reenvio para o exterior se acontecer um qualquer problema na vida do emigrante. Por isso o dinheiro não vem”, apontou.
Assim, para Heitor Carvalho, é necessário que o País permita que as pessoas invistam livremente e com segurança jurídica e que possam livremente voltar a remeter divisas para o exterior, de acordo com regras claras e estáveis, e assim “teremos, pouco a pouco, a retoma da confiança” no país. “Infelizmente tudo se passa exactamente ao contrário, como se comprova pelas restrições ao envio de remessas pelos estrangeiros que trabalham em Angola, apesar das garantias legais. Enquanto acharmos que tudo se resolve pela via administrativa e da imposição, não pelo mercado, não haverá investimento e confiança na nossa economia”, rematou.
Fonte: Expansão/AN