No próximo dia 22 deste mês vai assinalar mais um ano da morte de Jonas Savimbi, líder fundador da UNITA, que morreu em combate em Fevereiro de 2002. Com o aproximar da data, que é reservada a uma serie de actividades, um dos seus filhos, Rafael Savimbi, abre- se em entrevista a OPAIS para falar da figura do pai, do seu percurso politico, da vida interna da UNITA e do preço alto que a família teve de pagar por conta da imagem de um dos homens mais complexos da história recente de Angola.
No dia 22 assinala-se mais um ano da morte do seu pai. Qual é o vosso olhar sobre esta data?
Para nós, filhos, o dia 22 de Fevereiro transformou-se num dia de reflexão em torno da vida e obra de um homem que por destino nosso pai.
Com todas as marcas do seu tempo?
Exactamente. Um homem que marcou o seu tempo de forma indelével, seja no quadro público assim como particular.
Na esfera particular, ainda ressentem da ausência?
Sim, claro. No quadro particular, por exemplo, Jonas Savimbi foi o expoente da família, cujo desaparecimento afectou profundamente a sua estrutura.
Até que ponto?
É conforme já disse, foi o expoente da família
Refere-se à esfera material?
Talvez falaria de lembranças e ensinamentos.
O que guardam destes itens?
Sobre isso um dos valores transmitidos que guardo para sempre é a solidariedade. Saber dar a sua mão e o seu ombro a quem precisa. Sobre isso, eu tenho uma máxima segundo a qual ❝temos de transformar as nossas oportunidades em instrumento de apoio aos que não as tiveram”.
O que significa isso?
Quer dizer que, no processo do desenvolvimento social, os mais fortes nunca se esqueçam dos fracos ou dos menos favorecidos.
Considera justa a luta do seu pai?
Jonas Savimbi lutou pela independência, pela implantação da economia de mercado e pelo Estado democrático de direito. De uma forma ou de outra somos independentes. O princípio da iniciativa económica individual no quadro do liberalismo econômico é a matriz vigente no nosso país, apesar de ainda verificar-se a presença exagerada do aparelho do Estado na economia. A democracia, embora precise de ser aprofundada e consolidada, mas é hoje um princípio constitucionalmente consagrado a partir de 1991 e todos sabemos que a luta de Savimbi esteve também na base desta grande transformação política em Angola. Em suma sim, a sua luta foi e continua justa. Mesmo sendo acusado da guerra que dilacerou o país, ainda assim é justa? Nenhuma guerra é boa ou limpa.
Mas então o que está a defender?
Não acredito que hajam homens sensatos, como foi o caso do meu pai, que tenham prazer em assistir as atrocidades de uma guerra.
Mas ele fez guerra, então?
Infelizmente, a continuidade da luta política por meios violentos foi o que aconteceu em Angola porque as partes envolvidas na contenda politica não se entenderam. Mas é preciso dizer alto e em bom tom que no processo que levou o país a guerra, culpados somos todos e vítimas também fomos todos. E o que tem de ficar é a ideia firme, segundo a qual “seja lá qual for a nossa divergência, nunca mais as armas”.
Sente-se feliz.com o lugar que a história recente de Angola colocou o seu pai?
Estou feliz com o lugar que a história verdadeira vai dando à Jonas Savimbi.
Como assim?
Não estou a falar da estória dos vencedores que querem manipular as mentes, mas sim a verdadeira história que se traduz hoje no reconhecimento e na inspiração dos seus feitos sobretudo às novas gerações deste país.
Considera haver manipulações sobre a vida do seu pai?
Os factos históricos são teimo- SOS.
Quais das piores coisas que já ouviu sobre o seu pai e que o terá incomodado mais?
Nada mais me incomoda, porque estou blindado contra as falácias.
Até que ponto?
Sabe que quando te acusam de alguma coisa que não fez, a reação é sempre a mais natural. Convém dizer aqui que Jonas Savimbi foi e continua a ser uma figura pública mar- cante. E sobre ele muita coisa se diz. É o preço a pagar.
E o que sente quando ouve afalar sobre essas muitas coisas?
Sinto-me triste, porque gostaria que ele vivesse esse novo momento da história do país em que a sua luta es- tá a ser melhor compreendida.
Gostaria que o seu pai tivesse um posicionamento diferente no contexto da histórica política recente de Angola?
Gostaria que as condições e a conjuntura política daquela altura fosse diferente, o que obrigaria os ac- tores políticos de então terem posições diferentes das que tiveram que tomar.
Como assim?
Jonas Savimbi acreditou num ideal de uma Angola independente, justa, democrática e igual para todos. É isso que esteve na base da luta de Savimbi.
Com tudo que ouve sobre o teu pai, sente-se orgulhoso de ser o filho de Jonas Savimbi?
Sou digno filho do meu pai.
O que o torna orgulhoso?
Jonas Savimbi foi uma pessoa extraordinária em várias dimensões, mas sobretudo no amor à sua pátria. A sua influência é tão for- te que de incompreendido de ontem passou a ser uma das maiores referências da verdadeira história de Angola.
Masque tipo de referência para que geração?
Jonas Savimbi foi vítima da propaganda e do cruzamento de vários interesses a certa altura da história política do mundo. Não estou a dizer com isso que não tenha tido as suas falhas que são próprias da condição humana.
Qual seria o melhor entendimento que se poderia dar ao seu pai?
A melhor forma de entender Savimbi é ler e compreender o seu projecto político condensado nos 5 princípios fundantes da UNITA, que são a liberdade e independência total dos homens e da pá- tria mãe, democracia assegurada pelo voto do povo através de vá- rias partidos políticos, a soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre pelo interesse dos angolanos, igualdade de todos os angolanos na pátria do seu nascimento e na busca de soluções económicas, priorizando o campo para beneficiar a cidade.
Um dos posicionamentos que ficou muito aguçado, na época da morte do seu pai, foi a questão de que ele teria sido traído por pessoas próximas e que eram homens da linha de frente da UNITA. Como lidam com estas pessoas, sendo que muitas delas ainda estão aí vivas?
Isso está na história e viveu-se. E não foi a primeira vez que isso acontece na história da humanidade ou do mundo.
É revoltante?
Viveu-se. Mas penso que tudo foi uma questão da própria circunstância. E hoje, mais de vinte anos depois, as pessoas estão mais cal- mas em avaliar de facto se as posições tomadas na altura foram das melhores ou não.
Qual é vosso posicionamento diante desta questão?
Estávamos no calor político. Era a guerra. E a história dos homens é isso. Há quem diga que a humanidade está em guerra per- manente. Mas o fundamental é todos aceitarmos que, independentemente das nossas divergências e pontos de vistas diferentes, nunca mais façamos alternativa à violência. E nunca mais peguemos em arma para nos guerrearmos contra nós a julgar pelo preço tão alto que pagámos.
A JURA, organização juvenil da UNITA, prepara-se para realizar o seu congresso. Uma das questões que transpirou para fora tem a ver com o chumbo à candidatura da sua irmã, Ginga Savimbi à liderança da organização e a acusação de tribalismo no seio dos concorrentes. Essas acusações não maculam a génese da UNITA, que se diz ser a favor da democracia?
A génese da UNITA é a união nacional. A UNITA junta todas as sensibilidades sociais, tribais e raciais que compõem o mosaico cultural angolano para transformar num processo de sociedade unificadora.
E o chumbo a candidatura da sua irmã?
Não temos qualquer ligação com a JURA. Espero que a organização discuta o seu futuro e que saia deste congresso com força para o bem da juventude angolana.
Essa acusação de que há um favorecimento ao candidato Nelito Ekuikui, por parte da direção da UNITA, não remete o partido para uma situação complicada?
Eu já não lido com a JURA em termos de estrutura. Tudo que desejo é que o congresso corra com a maior transparência. Desejo boa sorte a organização juvenil da UNITA e aos candidatos.
De resto não sendo mais da JURA, que deixei praticamente em 2014, quando cessei o meu mandato como membro do seu Comité Nacional, não tenho comentários a não ser o desejo de que tenham um bom Congresso.
Qual é o vosso olhar sobre a UNITA, que é o maior projecto politico que o seu pai deixou?
A UNITA é, até aqui, o projecto alternativo mais credível a nível da praça política nacional e é nesta grande perspectiva em que se enquadram e trabalharam todas as lideranças da UNITA.
A UNITA tem sabido honrar a memória do seu pai?
Felizmente sim e acredito que todo aquele que tentar fazer o contrário na UNITA não terá pernas para andar.
Como assim?
Tudo o que é hoje a UNITA resultou da união de esforços variados de todos os seus membros e não só, mas à sua testa esteve sempre Jonas Savimbi. É um facto histórico incontornável. É oportuno trazer para aqui uma reflexão de Savimbi expressa no livro de Yves L’oiseau, intitula- do “Portrait d’un Revolutionaire en générale”, onde exorta as organizações políticas africanas a estarem atentas ao fenómeno da pessoalização ou fulanização das mesmas, de um lado, e a descontinuidade ideológica do outro lado.
De que forma?
Constatava que em muitos partidos políticos africanos só os presidentes contavam e quando desapareciam fisicamente os seus partidos corriam grandes riscos de mudar de orientação política e até às vezes de nome, facto que decepcionava e frustrava muitos quadros.
E a UNITA não teria corrido es- se risco?
Felizmente não.
JÁ SOFREMOS DISCRIMINAÇÃO E PERDA DE ALGUMAS OPORTUNIDADES
Que preço teve de pagar por ser filho de Jonas Savimbi?
Já paguei facturar alta. Primeiro é da curiosidade das pessoas, das incompreensões. Haviam muitos receios.
Isso teve impacto na vossa afirmação?
Já sofremos discriminação e per- da de algumas oportunidades.
Até que ponto?
Por exemplo, eu, antes de me ligar directamente à política, quando vim para Angola, eu queria trabalhar no sector privado. E tinha coisas mais ou menos encaminhadas. Mas que depois não avançaram por ser filho de quem sou, do meu pai.
Sentiam-se excluídos de alguma forma?
Sim, mas prontos, hoje digamos que valeu apena.
O que leva a crer que valeu a pena?
Valeu a pena porque o tempo traz a razão. E, hoje, as pessoas nos olham de uma forma diferente e com muito respeito e até admiração. Mas quem merecia esse carinho seria o meu pai e não nós. Ele é o protagonista de toda história. Seria bom se ele estivesse cá para poder também colher este carinho.
Mesmo com o posicionamento histórico que tem?
O meu pai foi um homem. E morreu porque talvez sabia que a missão estava cumprida, mas também com a noção de foi mal compreendido.
O senhor faz parte dos quadros da actual direção da UNITA. E, durante o período eleitoral, houve a acusação de proximidade e até financiamento dos filhos de Eduardo dos Santos à campanha da UNITA. Isso procede?
A única coisa que sei sobre isso, e devo dizer, é que a vontade de mudar desta vez foi tanta que incluiu também muitos membros do MPLA e pessoas que estavam descontentes com a situação.
Que relação tem essa afirmação.com a questão que o colocamos?
É que, nas condições actuais, o partido que representa a mu- dança é a UNITA. Quem queria mudança, quer goste da UNITA ou não, tinha de apoiar ou votar na UNITA. Então acho que foi um pouco isso que aconteceu. Por- que qualquer tipo de aproximação era politicamente aceitável, apenas neste sentido.
Mas então as questões relativas ao financiamento das duas filhas de José Eduardo dos Santos à campanha de Adalberto Costa Júnior?
Primeiro é que não sei. Mas penso que o próprio engenheiro Adalberto Costa já foi esclarecendo essas questões todas.
Fonte: Angola24horas