A Ordem dos Advogados vai enviar para o Tribunal Constitucional um pedido de Fiscalização Abstracta Sucessiva (artº 230 da Constituição) à nova Lei dos Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos, porque defende que tem algumas inconstitucionalidades, fere alguns princípios do Direito e limita o direito à greve e à manifestação.
Depois da promulgação pelo Presidente João Lourenço e publicação em Diário da República, a nova lei dos crimes de vandalismo de bens e serviços entrou em vigor. No entanto, tem havido muita contestação por parte de algumas organizações da sociedade civil, que vêem neste documento a possibilidade de restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos garantidos pela Constituição.
Entre as queixas estão possíveis limitações ao direito à greve e de manifestação, violação dos princípios da proporcionalidade (na aplicação de penas), do princípio da humanidade das penas ou do princípio da segurança jurídica. Os argumentos dos juristas estendem-se até aos fundamentos do próprio Direito e da necessidade se ter criado uma lei específica para combater o vandalismo quando estes crimes já estão previstos no Código Penal actualizado.
Dentro daquilo que é o quadro legal em vigor no País, depois desta promulgação apenas quatro entidades podem impedir a sua aplicação, pedindo a inconstitucionalidade da norma – grupos parlamentares da Assembleia Nacional, Procurador Geral da República, Provedor de Justiça e Ordem dos Advogados. Já houve uma tentativa de pedir a inconstitucionalidade da lei junto Tribunal Constitucional por parte de um conjunto de organizações da sociedade civil, mas não é possível.
A Ordem dos Advogados de Angola (OAA) confirmou ao Expansão que vai mesmo avançar com um pedido de Fiscalização Abstracta Sucessiva junto do Tribunal Constitucional, porque acredita que a lei está ferida de inconstitucionalidades. O processo deverá ser entregue nos próximas semanas, sendo que neste momento os membros da ordem estão recolher os dados e a preparar a abordagem à instituição que garante o cumprimento da Constituição no País.
“Esta lei não tem pernas para andar. Promove a aplicação selectiva em vez da aplicação global, como definem os princípios do Direito. Tem várias inconstitucionalidades e este pedido vai fazer pressão sobre o sistema. Os próprios deputados vão perceber que da forma como está feita, a lei não resolve o problema do vandalismo. A lei é sobre as consequências e não sobre as causas”, explicou uma fonte da organização ao Expansão.
Lei aprovada em Junho sem votos contra
Apesar de não ter sido apresentado um relatório de fundamentação de suporte, a nova lei dos crimes de vandalismo de bens e serviços públicos surge na sequência do aumento exponencial dos casos de roubos de bens públicos e destruição de infraestruturas, tal como foi explicado pelo líder da bancada do MPLA no momento da sua aprovação: “A destruição de bens e serviços públicos é apenas um indício de algo maior que a todos deve preocupar e que se vem acentuando, nomeadamente o desrespeito pelas autoridades públicas, pela cultura, pela tradição e pela idiossincrasia dos angolanos”, referiu. A lei foi aprovada com 130 votos a favor e a abstenção do grupo parlamentar da UNITA.
No mesmo momento, o presidente da Associação Justiça Paz e Democracia, o jurista Serra Bango, referiu que este documento se trata de um ataque à democracia e de uma tentativa de controlar a sociedade civil e os partidos políticos. “Entendemos que é claramente um atentado aos valores da democracia. É um artifício usado para controlar as associações, as ONG”s e, mais grave ainda, os partidos políticos que não se revêm na política do regime. É uma lei claramente autoritária e que, se não for travada, estará a dar azo ao MPLA para se perpetuar no poder, mas num regime monopartidário. Isto é um retrocesso”, explicou.
Duas visões completamente opostas face às motivações e á forma como a lei pode a vir aplicada no futuro. Começando pelo princípio é necessário dizer que esta lei não traz elementos novos, uma vez que todos estes crimes já estão previstos no Código Penal, “podia alterar-se simplesmente o actual código e a agravar as penas para alguns crimes”, explica o professor de Direito Penal da Universidade Católica, Bangula Quenda, que acrescenta: “Na prática o que se fez foi esvaziar o Código Penal, retirando de lá este tipo de crimes e tornando-os autónomos nesta lei sob o nome de vandalismo”
Fonte; Expansão