Os militares que há quase duas semanas depuseram pela força Mohamed Bazoum, o Presidente legítimo do Níger, estão a levar a sério as ameaças feitas pela Comunidade Económica de Países da África Ocidental (CEDEAO) de recurso à força, com notório apoio da França, para repor a normalidade constitucional e avisam que a resposta será “célere e devastaidora”. Para já, mandaram fechar o espaço aéreo.
E fazem bem os homens do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), liderados pelo general Abdourahamane Tiani, que mudaram o curso da história democrática do Níger, porque a Nigéria e o Senegal, as duas grandes potências militares da sub-região não parecem estar disponíveis para aceitar mais um golpe militar nas suas barbas, como se resto aconteceu na Gâmbia, em Janeiro de 2017, quando o ditador Yha Yha Jammeh deu o dito por não dito e recusou entregar o poder ao Presidente eleito Adam Barrow.
Nessa altura, desfraldando o estandarte da União Africana, ou a sua Carta Africana, onde as alterações inconstitucionais de poder são alvo de “tolerância zero”, Abuja e Dacar passaram das ameaças à acção e enviaram os seus exército e força aérea para as imediações da Gâmbia, chegando mesmo a entrar, obrigando assim Jammeh a entregar o poder a Barrow.
Com esse gesto, a CEDEAO queria deixar um sinal evidente de ter sido atingido o limite da paciência para os golpes de Estado na região, contando claramente com o apoio da União Africana, o órgão máximo pan-africano, que estava, então, numa saga contra as intentonas, procurando acabar com esta tragédia para as democracias africanas no continente.
Por momentos, o continente acalmou, mas, depois, só na África Ocidental e nas barbas da poderosa Nigéria e do resoluto Senegal (países que hoje vivem pesadelos de instabilidade própria), aconteceram os golpes militares na Guiné Conacry, no Mali, no Burkina Faso, só para falar da África Ocidental, e todos com um cariz claramente antagonista da antiga potência colonial, a França, com um claro “húmus” pró-Rússia, como o deixam evidente as milhares de bandeiras da Federação Russa e as frases contra Paris.
Apesar das ameaças, a CEDEAO não moveu um dedo para travar estas intentonas saídas dos quartéis, com uma clara desvitalização do lastro colonial francês que em Paris foi sendo denominado como “FranceÁfrique”, terminologia que remete para o antigo domínio colonial francês na vasta região do Sahel… mas a paciência do Palácio do Eliseu parece ter chegado ao fim com o golpe em Niamey.
Alguns analistas não têm dúvidas de que a pressão sobre os militares golpistas do Níger feita pela CEDEAO está a ter a mão da França por detrás, porque, se o Mali e o Burquina, ou mesmo a República da Guiné, são importantes espaços de influência de Paris, tanto diplomática como economicamente, o Níger é outro patamar de importância estratégica para a França, mas também dos EUA, por causa das suas gigantescas reservas de urânio, o material mais usado como combustível para as centrais nucleares de produção de electricidade, da qual os franceses dependem largamente, além do ouro e de outros minérios, incluindo terras raras.
Só que uma intervenção da CEDEAO, com ou sem participação directa de Paris e Washington, chocará de frente com uma larga e igualmente poderosa coligação de países, desde logo a Argélia, o Burquina Faso, o Mali e a Guiné Conacry, que já vieram avisar, com mais ou menor ruído, de que uma invasão do Níger não será tolerada, exigindo estes países que sejam os nigerinos a resolver os problemas do país, sendo que Argel mostrou claramente a sua discordância com o golpe, mas não escondeu igualmente o seu posicionamento neste imbróglio ao lado dos interesses de Moscovo, de onde, seguramente, chegará apoio material, e, provavelmente, dos seus mercenários do Grupo Wagner, com forte presença em todos estes países há anos.
Para já, e depois de um encontro de 48 horas na Nigéria, os países da CEDEAO não chegaram a um entendimento em uníssono e a haver uma intervenção musculada, essa terá como pivots a decisão dos países, de forma independente, embora com concertação prévia, nomeadamente do Senegal e da Nigéria, como, de resto, aconteceu em finais de 2016 face à resistência de Yha Yha Jammeh de deixar o poder em Banjul para o seu sucessor, Adam Barrow.
Quem não está para esperar para ver são os militares do comando nigerino que tomou o poder, o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), que, segundo o seu porta-voz, coronel Amadou Abdramane, mandou fechar o espaço aéreo do país, até porque a França, de onde já chegou o recado de que se a ordem constitucional não for voluntariamente reposta, todas as opções passam a estar em cima da mesa, tem alguns milhares de tropas, da sua Legião Francesa (constituída quase exclusivamente por mercenários estrangeiros) no país no âmbito da luta contra o terrorismo islâmico.
O coronel Amadou Abdramane avisou, citado pelos media internacionais, que o espaºo aéreo do Níger vai permanecer fechado, desde Domingo, 06, por “tempo indeterminado”, deixando um aviso claro à navegação, quando passa cerca de uma semana desde que a CEDEAO lançou o seu abrasivo ultimato ao CNSP: “Qualquer tentativa de ingerência externa terá uma reposta devastadora” do povo do Níger e das suas Forças Armadas, que já tem destacamentos posicionados no território para travar qualquer avanço dos nigerianos e dos senegaleses.
E, num aviso directo a Paris, este oficial do CNSP acusa a CEDEAO de estar “a soldo” de, numa óbvia alusão à França, “uma potência estrangeira”, sublinhando que qualquer tentativa de ingerência externa, “transformará a região num barril de pólvora”.
No entanto, uma intervenção directa não está ainda definida, até porque esta será quase impossível de ter êxito sem a participação da Nigéria, o maior exército da região, face à discordância que existe sobre essa matéria entre o Governo do Presidente Bola Tinubo, que enfrenta uma das mais severas crises económicas e sociais das últimas décadas, e o seu Parlamento, que exige mais esforço ao Presidente, e líder de turno da organização da sub-região, para encontrar uma saída alternativa à guerra para que o Níger retome a normalidade constitucional.
Outra fonte de problemas para que uma decisão desse calibre seja tomada pela CEDEAO e pela França, que é o país que mais perde com esta situação no Níger, resulta do aviso do Presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, que não podia ser mais vigoroso: “Uma intervenção externa no Níger é uma ameaça directa à Argélia”, que é uma das maiores potências militares africanas e um aliado sem titubeações de Moscovo.
Alias, esta revolta no Níger, que ocorreu a 26 de Junho, segundo a generalidades dos analistas a ter em consideração, tem claramente por detrás o dedo de Moscovo, como o mostram as manifestações de apoio à Rússia nas ruas de Niamey, e é uma estratégica resposta ao ocidente como replica pelo que se passa na Ucrânia, como, de resto, o é também o que se passa no Burquina Faso, sendo que o Mali e a Guiné são situações mais antigas…
Fonte: NJ