É fundamentalmente a alimentação que está a empurrar a inflação para cima. Pressão da procura, escassez de produtos por limitação das importações e dificuldades no transporte da produção nacional para a capital, bem como a especulação comercial, podem ajudar a explicar este fenómeno.
A inflação homóloga em Luanda ultrapassou em Março os 35%, a primeira vez que acontece desde Abril de 2017, há sete anos, quando chegou aos 36,53%. Nos últimos dez anos, o valor mais elevado aconteceu em Abril de 2016, quando atingiu 41,95%. Se recuarmos no tempo, e tendo em atenção que nesses anos o valor da inflação nacional era o de Luanda, porque era na capital que se faziam as recolhas de preços, podemos encontrar o recorde de 113,5% em Abril de 2003.
Este valor de 35,74% verificado em Março significa um aumento de 25,6 pontos percentuais face ao verificado há um ano, quando a inflação em Luanda foi de 10,14%. Aliás, este aumento exponencial iniciou-se em Junho, quando se deu a desvalorização do kwanza, passando de uma variação mensal inferior a um para 1,68%, tendo crescido sempre a partir daí até um máximo mensal em Fevereiro deste ano de 3,45%. A boa novidade é que houve uma desacelaração do índice mensal em Março, ficou-se pelos 3,22%, o que já não acontecia desde Fevereiro do ano passado.
A grande preocupação deste crescimento da inflação homóloga é que está potenciado pela categoria “Alimentação e bebidas não alcoólicas”, o que gera problemas suplementares à população com menos poder de compra. O aumento de preços nesta categoria continua a estar acima do valor da inflação, aumentou 3,84% no mês passado, e tem um impacto de 68% do total do incremento mensal. Embora com pouco peso no ponderador da inflação, destacar aqui também o aumento na classe da “Saúde”, que foi de 4,39% de Fevereiro para Março. A segunda classe que mais cresceu no mês foi “vestuário e calçado” com mais 3,97%. Resumindo, a inflação disparou nos últimos nove meses por causa dos preços da alimentação, saúde e vestuário.
Diferencial entre Luanda e o resto do País
Desde de Julho de 2023 que o diferencial entre a inflação de Luanda e a do resto País tem vindo a aumentar, na altura 0,86 pp para 9,65 pp que se verifica actualmente. Uma diferença enorme que pode ser explicada de uma forma geral pela maior pressão de consumo na capital. Se analisarmos os dados disponíveis, percebemos que é na alimentação que esta disparidade é maior, e de acordo com o que a imprensa apurou junto do INE, tem muito a ver com os hortícolas e outros produtos nacionais, que devido ao estado degradado das estradas está a chegar à capital com valores mais elevados. Além da escassez face ao que acontecia no passado, os fretes também têm aumentado bastante nos últimos meses.
Refira-se que o estado da nossa rede rodoviária também tem impossibilitado a recolha efectiva de preços em algumas províncias, os agentes têm dificuldades em deslocar-se aos locais escolhidos, pelo que em algumas categorias tem inviabilizado a actualização dos preços, o que em termos práticos “empurra” a inflação para baixo nessas zonas. O preço da alimentação em algumas províncias também não tem o mesmo peso do que acontece em Luanda, para além do autoabastecimento, os produtos locais não estão inflacionados com os custos de transporte e logística.
E, claro, este diferencial também tem uma participação da especulação comercial, um assunto que tem vindo a ser debatido nas instâncias responsáveis, sabendo-se que apesar do papel didáctico que os técnicos da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA) estão a fazer junto dos comerciantes da capital, este é um fenómeno preocupante. Também no sector da alimentação existe hoje um abastecimento concentrado em poucos grupos, que em sistema de cartel vão mantendo os preços dentro dos valores que lhes podem dar maior rendimento. Os ajustes constantes nas taxas aduaneiras, limitando a entrada na importação de pequenos operadores, também não ajuda a combater este fenómeno de oligopólio.
Fonte: Expansão