No Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2023-2027 o Governo reconhece a necessidade de legislar sobre o acesso à matéria-prima na refinaria de Luanda e pretende fazê-lo ainda em 2024. Especialistas alertam para a necessidade de divulgação desta e de outras informações cruciais para a avaliação destes projectos.
Os projectos de três refinarias continuam a sofrer com sérios constrangimentos à sua implementação e, com excepção de Cabinda (que já acumula seis datas diferentes para o arranque das operações), os planos para o Soyo e Lobito estão praticamente parados devido à falta de financiamento ou de parceiros interessados em repartir o risco envolvido nestes enormes investimentos. A falta de interesse pode estar relacionada com a viabilidade duvidosa destas iniciativas, que também são afectadas pela ausência de legislação sobre o fornecimento de petróleo às futuras refinarias nacionais.
A questão do acesso à matéria-prima (petróleo bruto) para refinação é fundamental para as próprias refinarias, mas também para o País devido à dívida externa garantida pelo petróleo e à enorme dependência das receitas petrolíferas.
Qualquer alteração de fundo nestas relações pode ter efeitos directos nos cofres públicos, que não vivem dias de abundância, o que leva a uma questão fulcral: se o petróleo que vai ser refinado internamente já não segue para a exportação, o que pode reduzir o acesso a divisas e a receitas públicas, como será calculado o preço de venda às refinarias e de que forma será liquidado pelos seus promotores?
O Governo parece reconhecer estas dificuldades logo no caso da refinaria de Luanda, a única a operar no País, quando no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) indica que ainda em 2024 deverão “ser criados mecanismos legais que permitam assegurar a disponibilidade de petróleo bruto” àquela entidade.
No mesmo documento, diz-se que a refinaria de Cabinda deve arrancar em 2024 (a conclusão total da primeira fase do projecto foi adiada para Julho de 2025), enquanto Soyo fica para 2026 (não parece ser possível, segundo as informações disponíveis) e o Lobito para 2027.
“O petróleo processado em Luanda é vendido pela Sonangol e o preço é calculado através de uma fórmula específica. Mas é negativo para a Sonangol. No futuro, com as refinarias, este tema deve ser melhor avaliado e estudado”, defende José Oliveira, colaborador do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica (CEIC) e especialista nas questões de energia.
Em 2023, segundo o relatório e contas da Sonangol, a produção directa da petrolífera nacional cifrou-se nos 3 milhões de barris anuais e nos 69 milhões com origem nas participações que detém em alguns blocos. No total, estes níveis de produção garantem 216 mil barris diários para eventual venda às refinarias. “A questão do acesso à matéria-prima é interessante, ou seja, quem vai vender às refinarias o petróleo bruto? E quanto vai custar? E como vai ser pago? Esta informação não é conhecida, nem sequer para a refinaria de Luanda”, refere Heitor Carvalho, director do Centro de Investigação Económica (CINVESTEC) da Universidade Lusíada de Angola. Esta refinaria foi inaugurada em 1958, quando o País ainda não produzia petróleo (começou a fazê-lo apenas em 1974).
A situação é similar ao que está a acontecer com o empresário nigeriano Aliko Dangote e à sua refinaria privada de 20 mil milhões USD, um tema que tem recebido atenção internacional nas últimas semanas.
Para José Oliveira, a capacidade da refinaria de Dangote “dificilmente será atingida porque é muito superior ao consumo interno” e porque a Nigéria também “precisa da venda de petróleo bruto para honrar compromissos (dívida externa, relação com as petrolíferas)”.
“Aliko Dangote tem de negociar com o Estado nigeriano o abastecimento de petróleo para cobrir o consumo do país e, em simultâneo, ter acesso mensal a divisas para amortizar os financiamentos e manter tudo em pleno funcionamento. Não vai ser um acordo fácil de concretizar”, antevê José Oliveira, que recorda ainda que o projecto enfrentou “períodos difíceis ao longo da sua implementação, o que resultou num aumento do prazo de construção e do custo final”, o que vai dificultar a amortização daquele enorme investimento.
Fonte: Expansão