Recém empossado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, escolheu Angola como ponto de partida para o périplo que fará por diversos países africanos. Numa reunião de mais de uma hora com o presidente João Lourenço, saiu sem prestar declarações à imprensa.
Questões como a dívida que Angola possui com a China pode ter estado sobre a mesa durante o encontro entre os dois governantes, contudo, a crescente aproximação dos países africanos com os Estados Unidos e Europa certamente foi tema de conversa na Cidade Alta.
Para o gigante asiático, maior parceiro económico de África, o mais importante é que independente de qualquer alteração geopolítica, os interesses do Estado chinês estejam salvaguardados a nível do continente.
Essas e outras questões, o docente universitário e analista político Osvaldo Mboco abordou na entrevista exclusiva que concedeu ao portal e que pode ser lida abaixo.
Boa leitura!
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da China iniciou um périplo pelos países africanos, tendo escolhido Angola como primeiro país a ser visitado. A que se deve essa escolha?
A primeira nota é que Angola é um país importante do ponto de vista geopolítico e geoestratégico no continente africano e também é uma das maiores economias da África Subsaariana. Contudo, temos também que ressaltar que Angola é o país com maior dívida chinesa, dentre os vários países africanos. É importante avançar que alguns dos maiores projectos de construção civil em termos de infra-estrutura estão em Angola. Há todo um simbolismo político nesta visita, mas também tem a ver com a dívida que Angola contraiu com a China.
Dívida esta que ronda acima dos USD 20 mil milhões
Sim. Dados do Ministério das Finanças, de 2020, davam conta que a dívida de Angola com o gigante asiático era de 21.1 mil milhões de dólares, mas existem outras fontes que dizem que a dívida é muito superior, porém, é sempre crucial prestar atenção e usar os dados oficiais. Então, entendemos que este é o que tem relevância.
Essa dívida vem sendo paga na sua maior parte com petróleo bruto angolano?
Sim, a dívida tem sido paga com petróleo, aquilo que o Banco Mundial considera como o “modo angolano de pagamento”, mas há informações de que o Estado angolano tem estado a alterar essa configuração do pagamento de petróleo, pretendendo substituir esse tipo de garantias reais por garantias soberanas, que não passam necessariamente pelo petróleo.
Há uma previsão de término?
A China havia prorrogado o início do pagamento da dívida aos estados africanos devido a pandemia da covid-19. O retorno do pagamento seria agora em Março de 2023, mas o Governo angolano tão logo começou a ter superávit iniciou o pagamento e começou a amortizar a dívida com o Governo chinês, com a subida do preço do petróleo. Se continuar nesse ritmo há previsão, mas penso que o mais importante é que o Governo angolano ao contrair dívidas, de facto devem constituir numa alavanca de construção de infra-estruturas que impactam na vida do cidadão e também um grande impacto para o crescimento e desenvolvimento económico do país. Se assim for, então o Estado terá maior desenvoltura para fazer o pagamento da dívida que vem contraindo porque vai ter outras fontes de receitas, outras fontes de pagamento e isso vai ser determinante para o próprio país.
E tem se feito sentir o impacto dessa dívida contraída no desenvolvimento de infra-estruturas internas?
Num dos períodos mais difíceis do Estado angolano, Angola voltou-se à China. Numa fase que tinha acabado de sair da guerra civil, tentou a Conferência de Doadores, não foi bem sucedida, recorreu ao Clube de Paris, mas as taxas de juros eram bastante altas, ao FMI também, mas na altura as exigências que o FMI fez não interessavam, ou o Estado angolano não tinha condições de aceitar ou não interessava a forma como estavam a ser colocadas tais exigências, então, a China abriu as portas para Angola num dos períodos mais difíceis da história do nosso país.
Quais projectos mais visíveis resultantes deste apoio chinês?
Temos vários projectos habitacionais, hospitais, escolas, caminho de ferro, que foram construídos com o financiamento chinês. Os novos fogos habitacionais, como o Kilamba, o Km 44, Sequele, estradas, bem como muitas outras estruturas também imponentes. Há aqui um elemento importante da cooperação Angola e China.
Com a nomeação desse novo MNE o que a China pretende com os países africanos? Seria uma resposta à crescente aproximação com os EUA e Europa?
Claramente, dentro do quadro da estratégia e relações de poderes essa é a primeira leitura que se faz. Recentemente, realizou-se a Cimeira EUA-África, em Washington, no início de Dezembro. O pano de fundo desta cimeira teve dois elementos centrais, o primeiro isolar cada vez mais a Rússia no sistema internacional devido à guerra contra a Ucrânia e outro elemento é reduzir a expressão da China no continente africano. Mas temos que subscrever que a China continua a ser o país com maior expressão no continente africano em termos de trocas comerciais e em ceder créditos aos Estados africanos.
Então o novo MNE chinês vem com uma missão bem clara…
Vem também para reafirmar os diferentes laços. Tenho dito que África é o novo palco da competição política a nível do mundo onde os Estados com as economias mais fortes procuram sempre um espaço de influência e temos visto essa corrida desenfreada por parte dos Estados pelo continente africano, devido as riquezas mineiras e as matérias-primas que repousam no solo e subsolo africano que é determinante para a indústria mundial.
Qin Gang reuniu esta sexta-feira com João Lourenço e saiu sem dar declarações à imprensa. O que pode estar na base dessa discussão?
O elemento central e que pode ser usado é no âmbito da celebração do 40º aniversário das relações Angola e China. Contudo, a China tem estado a actuar em África por via do Fórum Económico de Cooperação China-África. O que pode acontecer agora é uma tentativa de negociação da própria dívida e uma perspectiva muito mais clara do posicionamento dos países africanos face às movimentações que tem estado a ocorrer no sistema internacional e também como forma de lembrar a esses países que têm uma dívida com o Estado chinês e que independente de alguma alteração no sistema internacional, os chineses querem ver os seus interesses salvaguardados nesses Estados. Ou seja, uma lembrança a esses países dos compromissos assumidos com o gigante oriental.
Fonte: CK