A reunião de emergência convocada pela Comunidade Económica de Estados da África Central (CEEAC), na segunda-feira, 04, na Guiné Equatorial, terminou com a aceitação tácita de que Ali Bongo deixou de ser Presidente do Gabão, que o líder do golpe de Estado militar que o afastou é agora o “chefe” e que o novo Governo em Libreville tem um ano para retomar a ordem democrática no país. Mas a oposição política diz que foi tudo um estratagema para garantir que tudo fica na mesma, ou seja, que o poder não sai das mãos da família Bongo.
No entanto, quase em simultâneo com o juramento do líder do golpe de Estado que em 30 de Agosto afastou Ali Bongo do poder, o general Brice Oligui Nguema, como novo Chefe de Estado do Gabão, também na segunda-feira, este país foi suspenso pela CEEAC sob forte condenação da instabilidade política.
A suspensão dos países onde ocorrem intentonas bem sucedidas são, quase sem excepção, suspensas das suas organizações sub-regionais, como sucedeu na África Ocidental com os países envolvidos no “tsunami” de golpes de Estado, do Mali ao Níger, passando pelo Burquina Faso, Guiné-Conacry ou pelo Sudão.
Mas a diferença parece estar no facto de a CEEAC, ao contrário da similar CEDEAO na África Ocidental, segundo media internacionais, ter dado um prazo específico para a transição democrática de um ano, o que consubstancia uma aceitação tácita de que não vai ser correspondido o pedido feito num vídeo quando já estava em prisão domiciliar pelo agora ex-Presidente Ali Bongo para que os seus “amigos” fizessem barulho forçando a sua reposição no poder.
“Façam barulho, façam barulho”, pediiu Bongo a partir da sua casa, horas depois do golpe, onde foi colocado à força pelos militares golpistas liderados pelo seu primo, o general Brice Nguema…
A resposta veio agora da CEEAC, onde o anfitrião desta organização, Teodoro Obiang, o mais longevo Chefe de Estado em todo o mundo, desde 1979, sem interrupção, com 81 anos de idade, avisou o novo líder gabonês de que tem de reconduzir o seu país no trilho da democracia, como exige a Carta Africana.
E assim fez, ou, pelo menos, deu a entender que faria o general Brice Oligui Nguema, que, com uma farda de cerimonial, foi oficializado como Presidente do país, substituindo o seu primo à frente de um dos países mais prósperos de África, graças às receitas do petróleo, à sua escassa população, e a uma gestão por muitos referida como moderna, apesar de se tratar de uma “dinastia” que começou em 1967, com Omar Bongo, pai de Ali, que o substituiu em 2009.
Há, porém, dúvidas de que se tenha agora chegado ao fim da “dinastia”. Sendo certo que terminou a linhagem directa de pai para filho, pode não ser assim quanto a uma linhagem de sangue, porque o general Brice Oligui Nguema é um primo próximo de Bongo e representa os interesses da família, até porque era um homem de confiança do agora deposto Presidente, como o demonstra a chefia da guarda presidencial que detinha até ao dia do “coup”.
Isso mesmo teme o líder da oposição gabonesa, Albert Ondo Ossa, que, ao contrário do povo nas ruas que espera que se esteja perante uma mudança de regime, de políticas e de prioridades, entende que “as coisas não mudaram muito ou mesmo nada” porque se trata de uma “transição dentro das paredes familiares”.
“É um assunto de família, um mero golpe palaciano, onde, no fim, todos estão do mesmo lado no que consideram mais importante, que é a manutenção do poder”, disse Albert Ondo Ossa em declarações à francesa TV5, acrescentado que se tratou apenas de uma remodelação no conselho de administração, mudando o CEO da “empresa” Gabão de forma a não mexer no fulcral “sistema Bongo”.
Albert Ondo Ossa deixa ainda entender que este movimento do general Brice Nguema teve apenas como objectivo garantir que o fortemente incapacitado pela doença Ali Bongo não fosse efectivamente deposto por uma facção oposta à linhagem famíliar.
Há, no entanto, segundo alguns analistas, um problema com o qual Brice Nguema pode não estar a contar, que é o posicionamento da França.
Se se vier a constatar que Albert Ondo Ossa está certo na sua análise, e que a chegada ao poder de Brice Nguema nada mudará na política de alianças de Libreville, especialmente com a antiga colónia, a França, então o Presidente Emmanuel Macron poderá ter um problema.
Isto, porque se não condenar de forma tão veemente, porque tem os seus interesses estratégicos garantidos, o golpe no Gabão, como condenou os golpes na África Ocidental que estão a “varrer” as antigas dependências coloniais de Paris naquela latitude, então Macron verá ser-lhe apontado o dedo acusador de agir conforme os interesses estratégicos de Paris e não movido pelo espírito da democracia que exige em Bamako, Ouagadougou, Conacry ou Niamey…
Alias, há anos que entre a família Bongo se trava uma ríspida batalha pela sucessão de Ali, adoentado e por longas temporadas em tratamento fora do país, nomeadamente em Marrocos, apesar de ter apenas 64 anos, especialmente entre a sua filha mais velha, Pascaline Bongo, que é tida como a arquitecta deste golpe para o qual “usou” Brice Nguema como pé-de-cabra, de forma a passar a perna ao seu irmão, Nuredin Bongo, que Brice Nguema colocou adequadamente em prisão sob suspeita de alta traição e corrupção.
O que algumas vozes da oposição política interna no Gabão estão a passar para os media é que a CEEAC, com esta reunião na Guiné Equatorial, pode também ter escolhido um lado e preferir a dupla Pascaline/Brice para governar o estratégico país da costa da África Central, alegadamente por ser mais cerebral que o seu irmão, mais impulsivo e menos dado ao diálogo.
Ou seja, face à degradação da governação, a oposição gabinesa crê que entre os familiares de Ali Bingo se chegou à conclusão que era preciso mudar alguma coisa para garantir que, no essencial, ficaria tudo na mesma.
Fonte: NJ