O uso de falsos perfis nas redes sociais, sobretudo no Facebook, para crimes, como burla, planificação de raptos e violações a mulheres, passou a ganhar contornos alarmantes nos últimos anos, no país, com vários cidadãos a queixarem-se, reiteradas vezes, da falsificação das contas por indivíduos estranhos, que as usam para extorquir os amigos.
As principais vítimas são, geralmente, pessoas conhecidas em determinados sectores da sociedade. É desconhecido o número de perfis falsos ou duplicados criados no país, mas dados disponibilizados sobre o assunto, na Internet, em 2022, dão conta da existência, só no Facebook, de 270 milhões.
Em relação ao assunto, o relatório de Padrões de Comunidade, referente ao primeiro trimestre de 2021, divulgado pela empresa americana Meta, proprietária das redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp, indica uma redução significativa de perfis falsos no Facebook, com a remoção de mais de 1,3 bilião de contas, número inferior ao removido em 2020, taxado em 1,7 bilião.
Apesar deste esforço, a Meta admite, no relatório de Padrões de Comunidade, que há, ainda, um número considerável de perfis falsos na sua rede social mais popular.
Já o portal “Menos Fios Mais Angola, Mais Tecnologias”, criado por angolanos para a divulgação de informações sobre tecnologia, ciência e afins, relacionadas com o país, revela que Angola fez parte, em 2021, de uma lista de 106 países cujos dados de usuários na rede social Facebook foram vazados na Internet.
O portal adianta que este vazamento, que afectou mais de 500 milhões de usuários, está relacionado com o número de telefone, nomes, data de nascimento, endereços de email, localização e informações biográficas, como status de relacionamento.
“Menos Fios, Mais Angola Mais Tecnologias” realça que o vazamento foi descoberto pelo pesquisador de segurança digital Alon Gal, de nacionalidade israelita, depois de analisar uma amostra dos dados vazados por via do qual verificou vários registos que os comparou com os números de telefone dos utilizadores do Facebook.
O portal de notícias sobre tecnologia diz não ser a primeira vez que um grande número de contactos telefónicos de utilizadores daquela rede social vai parar a sites online, tendo acrescentado que uma vulnerabilidade descoberta, em 2019, permitiu que milhões destes contactos fossem rapinados dos servidores daquela rede social, violando, deste modo, os termos de serviço.
Impossível controlar
Falando em entrevista ao Jornal de Angola sobre este assunto, o presidente da Sociedade Angolana da Computação, Vicente Lopes, disse ser, praticamente, “impossível” controlar, fechar ou apagar, na totalidade, todas as contas falsas abertas nas redes sociais, pelo facto de o mundo cibernético ser, completamente, aberto.
“As plataformas podem tentar minimizar, mas controlar é impossível, daí a possibilidade que as pessoas têm para a criação de perfis falsos”, referiu o também académico, para quem o fim desta prática só dependerá do carácter e educação individual de cada um.
Vicente Lopes lembrou, entretanto, que as plataformas dispõem de mecanismos que permitem abrir uma conta segura, sem muita margem para invasão. “Regra geral, as plataformas dispõem de critérios para a abertura de uma conta segura, como, por exemplo, seleccionar quem deve ter acesso a ela, segui-la, se o público, em geral, ou apenas algumas pessoas, em particular”, esclareceu.
Acrescentou que a falsificação ou invasão das contas se deve, em muitos casos, ao facto de algumas pessoas ignorarem estas questões de segurança, o que, no seu entender, permite que qualquer pessoa tenha acesso à mesma e até mesmo fazer comentários às publicações.
O presidente da Sociedade Angolana da Computação fez saber que uma das formas de se estar pouco exposto aos olhos dos falsificadores de conta passa pela redução da exposição nas redes sociais. Formado em Informática, Vicente Lopes alerta que a publicação “excessiva” de fotografias e vídeos constituem um dos atractivos para a entrada em acção dos falsificadores ou invasores de conta, tendo, por isso, chamado atenção para a necessidade de um maior cuidado com o tipo de conteúdo que se vai publicar na rede social.
“Devemos ser criteriosos no que vamos publicar nas nossas contas nas redes sociais, com realce para o que vamos dizer ou escrever, porque a publicação de certos conteúdos chama a atenção dos prevaricadores em relação ao seu nível social e económico de conseguir isto ou aquilo, de viajar para aqui ou para ali, comprar isto ou aquilo”, despertou.
Referiu que estas publicações ajudam a que se caia, facilmente, nas malhas dos burladores. O académico ressaltou que, regra geral, os falsificadores de conta são pessoas muito habilidosas, por, raramente, atacarem as vítimas sem antes realizarem um estudo sobre o seu comportamento social.
“Em função disso, gostava de alertar a comunidade nacional, no geral, e os jovens, em particular, para nunca cederem, nas redes sociais, os seus dados pessoais, dos pais, dar a morada da casa, revelar quando estão de viagem e, se houver festa em casa, evitar dar a morada publicamente”, aconselhou.
Identificar contas falsas
Apesar da perspicácia usada pelos prevaricadores no uso da conta alheia, o presidente da Sociedade Angolana da Computação apontou alguns passos a serem marcados para a identificação de uma conta falsa nas redes sociais. Em caso de um segundo pedido de amizade de quem já somos amigos, Vicente Lopes aconselha a que se ligue, imediatamente, ao dono da conta, antes de aceitar o pedido de amizade, para certificar se a mesma pertence a ela.
Para aqueles casos em que o autor do pedido de amizade apresenta uma foto do perfil duvidosa, o académico sugere que se faça uma cópia da referida foto, a fim de ser colocada no Google, para a sua verificação. “Muitas dessas imagens são de pessoas reais, efectivamente, mas não de angolanos. Temos, por isso, de ter sempre este cuidado”.
Se a conta estiver em nome de uma figura pública, o engenheiro informático recomenda que se tenha cuidado na abordagem e no tipo de conversa que a pessoa vai apresentar, lembrando não ser prática das figuras públicas saírem por aí a pedir dinheiro emprestado ou dinheiro em troca de uma vaga de trabalho.
“Este é um sinal claro de que a conta é falsa”, avisou. Vicente Lopes disse que essa advertência é válida, também, para as páginas que aparecem em nome de instituições públicas nas redes sociais, muitas vezes com anúncios, também, de vagas de emprego. Para este caso, o académico pede que se investigue, ao pormenor, a credibilidade da página.
Troca de password
Outro cuidado recomendado pelo engenheiro informático, de modo a se prevenir de uma eventual invasão da conta, tem a ver com a troca regular da password, ou seja, da senha, reforçando que esta alteração não seja limitada apenas à conta da rede social. “Estamos a falar de contas bancárias e de tudo o que a Internet nos veio facilitar, como actividades do dia-a-dia”, realçou.
A propósito, Vicente Lopes desaconselha o uso de uma mesma senha para várias contas nas redes sociais e nas contas bancárias. “Convém nunca ter uma mesma password para as diversas contas. O melhor é sempre diversificar”, disse o engenheiro informático.
Aos usuários do software Multicaixa Express
O presidente da Sociedade Angolana da Computação chama atenção para a necessidade da observação de alguns princípios de segurança contra os invasores. Vicente Lopes alertou não ser prática dos serviços de apoio deste software e de outros semelhantes a solicitação da password do cliente, mesmo quando se perde o número de adesão, acrescentando que o mínimo que pode acontecer é perguntar se ainda se lembra dela.
“Quando se chega ao ponto de te pedir a password, dar instrução para ir até ao Multicaixa, alegadamente em nome deste serviço, para digitar determinadas teclas, não vá, não faça e nem aceite, porque é, garantidamente, uma burla”, afirmou.
Ligação do banco em horário impróprio
A ligação em nome do banco, em horário impróprio, é outra questão que mereceu a atenção do engenheiro informático. Sobre esta prática, alertou não ser normal as instituições bancárias, sobretudo quando envolve solicitação de dados pessoais, tendo, por isso, chamado atenção para um maior cuidado.
“É um forte sinal de que estamos perante uma burla”, disse, destacando que o banco não pode ligar para o cliente em horários impróprios, excepto se for para dar uma informação sobre uma movimentação estranha que esteja a acontecer na conta do cliente que os chame atenção.
“Poderão querer saber se perdeu o multicaixa ou se foi assaltado”, frisou. Vicente Lopes disse que um banco não pode ligar para o cliente a solicitar os seus dados pessoais, porque o normal é a instituição ter os dados do cliente sob a sua posse, por já lá estar cadastrado. “Se, ainda assim, me estiver a solicitar os meus dados pessoais, é porque a instituição não me conhece”, acentuou.
Ligações e mensagens em nome de prémios
Vicente Lopes chamou igualmente atenção para o cuidado que se deve ter com as ligações e envio de mensagens, muitas vezes em nome de instituições credíveis, dando a conhecer que se venceu determinados prémios, lembrando que ninguém ganha prémios de graça.
Questionado como os números das pessoas vão parar, então, às mãos dos burladores, o engenheiro informático esclareceu que tal resulta do facto de as pessoas deixarem os seus contactos e dados pessoais em várias instituições, quando solicitados a preencher formulários.
“Estes dados são, muitas vezes, comercializados para fins de publicidade e outros”, revelou o académico, sublinhando ser, provavelmente, nesta ocasião que os agentes do mal conseguem os contactos. Vicente Lopes descartou a possibilidade de serem as operadoras de telefonia móvel a facilitarem o acesso dos burladores aos contactos dos clientes.
Prática ainda sem punição específica
O jurista Hermenegildo da Silva disse não existir, ainda, no país, um “tipo penal” ou nome jurídico para a utilização de perfis falsos, tendo esclarecido que o que se tem feito, para punir quem incorre nesta prática, é uma interpretação correctiva do artigo 442 do Código Penal, que trata da falsidade informática, cuja intenção de enganar ou prejudicar acabam por preencher o conteúdo do “tipo objectivo”.
Hermenegildo da Silva referiu, no entanto, que as pessoas que utilizam os perfis alheios incorrem em vários crimes, como, por exemplo, no de falsificação informática, nos termos do artigo 442 do Código Penal, ou, também, de forma mais clara, no de difamação, nos termos do artigo 214 do Código Penal.
Na sequência disso, o jurista referiu que se tem levantado, também, o artigo 230, que fala da perturbação e devassa da vida privada, pelo facto de a utilização de falsos perfis invadir directa ou indirectamente a vida privada. “Essa questão sobre os falsos perfis que, na verdade, acaba por se enquadrar na esfera do cibercrime, é uma questão recente e o legislador penal acaba por, nos termos dos artigos 437 a 444 do Código Penal, por tratar de crimes informáticos”, realçou.
Com base nisso, Hermenegildo da Silva fez saber que as pessoas que praticam o acto de falsificação informática, alterando os dados do sistema de informação para enganar, são punidos com uma pena de prisão até dois anos ou com uma multa de até 240 dias.
“Agora, se tratando de difamação, a moldura penal vai, especificamente, até um ano de prisão ou com a multa de até 120 dias, ao passo que em presença de devassa da vida privada a moldura penal vai até 18 meses ou dá lugar a multa de 180 dias”, concluiu.
Fonte: JA