Sem dúvida que a actualização do salário mínimo é uma medida de justiça social necessária para reequilibrar a relação entre o trabalho e o custo de vida. No entanto, a rapidez e a intensidade deste aumento podem gerar efeitos contrários aos desejados.
Após anos de estagnação salarial em termos reais, Angola está prestes a implementar uma das maiores actualizações no salário mínimo da sua história recente, elevando-o de 32 para 70 mil Kwanzas (50 mil para micro e pequenas empresas), com a promessa de atingir 100 mil em 12 meses. No entanto, este aumento abrupto levanta questões sobre o seu impacto real na economia, especialmente nas micro e pequenas empresas, que poderão enfrentar sérias dificuldades em acompanhar este ritmo de crescimento do salário mínimo.
Embora a medida possa trazer mais justiça salarial, o impacto será sentido de forma desigual. Para as micro e pequenas empresas, que já enfrentam baixos níveis de liquidez e margens apertadas, o aumento para 50 mil Kz gerará uma pressão significativa. Por outro lado, as médias e grandes empresas, com maior capacidade financeira, provavelmente suportarão o aumento para 70 mil sem dificuldades. Assim, o Governo corre o risco de sobrecarregar os negócios mais pequenos que já lidam com desafios estruturais significativos.
Este aumento salarial não pode ser visto de forma isolada. O Governo está a planear eliminar os subsídios aos combustíveis, medida urgente, visto que tem um peso significativo no orçamento do Estado e têm sido considerados pouco equitativos na sua aplicabilidade, gerando mais benefícios a quem mais consome do que àqueles que realmente necessitam.
Contudo, a eliminação destes subsídios também elevará o custo de vida, reflectindo-se num impacto directo no preço dos bens essenciais e transportes. Da última vez que o preço do combustível subiu, a desvalorização do kwanza rapidamente eliminou parte do ganho. Além disto, a contínua desvalorização da moeda “alimenta” a inflação, diminuindo o poder de compra. Mesmo com o aumento do salário mínimo, o efeito inflacionista irá corroer os ganhos salariais, especialmente se não forem adoptadas outras políticas económicas para conter a inflação e estabilizar o kwanza. O aumento salarial pode não ser suficiente para compensar a perda de poder de compra real.
Adicionalmente, é preciso analisar o efeito no salário médio. Em muitos países (como Portugal nos últimos 10 anos), a rápida actualização do salário mínimo aproximou os salários mais baixos do salário médio, sem que o valor médio aumentasse significativamente. Ou seja, o aumento beneficiará os trabalhadores de menor rendimento, mas não deverá gerar um efeito cascata que eleve os salários em geral. Esta é uma preocupação válida para Angola, onde a economia ainda está a recuperar e o mercado laboral não reage da mesma forma que em economias mais maduras.
Sem dúvida que a actualização do salário mínimo é uma medida de justiça social necessária para reequilibrar a relação entre o trabalho e o custo de vida. No entanto, a rapidez e a intensidade deste aumento podem gerar efeitos contrários aos desejados. Sem que a produtividade acompanhe, este aumento pode criar pressões inflacionistas e até mesmo uma contracção no emprego, especialmente nas empresas de menor porte. No fundo, este aumento representa um passo em direcção à justiça salarial, mas só o tempo dirá se foi o salto certo ou um tropeção pelo caminho. Talvez uma implementação gradual fosse o ideal para equilibrar as necessidades dos trabalhadores e a realidade das empresas e do próprio mercado. Afinal, o salário mínimo pode subir de repente, mas o poder de compra não aumenta por decreto e o sucesso destas políticas está mais ligado à forma como são integradas na realidade económica.
Fonte: Expansão