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Angola com mais municípios entre sete países e o dobro da África do Sul

O problema não está no número de municípios, mas na sua eficácia, defende Aslak Orre. O investigador norueguês teme que o “redesenho” do País sirva para adiar as autarquias. E diz que Angola deve evitar o gradualismo para não cair no erro de Moçambique, que usou a “autarquização” como “arma” política.

Caso a proposta de lei de divisão político-administrativa vingue, Angola passa a ser o país com mais municípios num conjunto de sete países da região de África Austral analisados pelo Expansão e que inclui, além de Angola, África do Sul, Botswana, Namíbia, Moçambique, Zâmbia e Zimbabué. A manter-se o desenho da proposta, que está em consulta pública até final de 2023, Angola ganha duas novas províncias, ficando com um total de 20, e passa dos actuais 164 municípios para 518, o dobro dos 275 municípios de África do Sul, e oito vezes mais do que os 65 municípios que Moçambique passa a ter, em 2023, quando for implementada a reforma que está em discussão no Parlamento.

Mas a comparação com África do Sul, o segundo país com mais municípios nos sete analisados pelo Expansão, deve ser acompanhada do alerta de Aslak Orre, investigador sénior do Chr. Michelsen Institute (CMI), um instituto independente de investigação de desenvolvimento sediado em Bergen, na Noruega. “Não confundir o “município” de Angola com o de “municipality” que existe na África do Sul. Este não é um ponto trivial: o “município” sul-africano é uma autarquia, exactamente aquilo que o município angolano não é, por enquanto”, adverte o cientista político norueguês, que há mais de duas décadas centra a sua investigação em Angola e Moçambique.

Orre tem também desempenhado um papel de liderança no programa de cooperação do CMI com a Universidade Católica de Angola (UCAN), o que atesta o seu conhecimento sobre o País e o olhar crítico que lança à actual reforma político-administrativa, se ela não estiver amarrada à implementação das autarquias.

Evitar a descentralização

“Quanto mais estudo Angola, mais fica claro que o actual modelo de governação do território é um obstáculo ao desenvolvimento do país. A principal prioridade do governo deve ser, nas palavras de [Agostinho] Neto, resolver os problemas do povo. A presente proposta – pelo seu conteúdo e pela forma não participativa como está a ser apresentada – parece ter como objectivo manter o poder nas mãos dos que actualmente o detêm e evitar a descentralização democrática, mais do que resolver os principais problemas”, escreve Aslak, em resposta a questões colocadas pelo Expansão. Orre lembra que a Constituição de 2010 “exige que as autarquias sejam implementadas” para “desenvolver a governação territorial”, mas receia que esta nova legislação sirva para “atrasar esse processo”.

O investigador norueguês, que actualmente coordena um projecto de investigação sobre a guerra no Norte de Moçambique, considera, pois, que o problema “não está no número” e que o aumento do número de divisões territoriais e de unidades administrativas pode até ser “racional, eficiente e necessário”, no caso de Angola. O problema está, sim, no conteúdo. “Parece perfeitamente racional para Angola aumentar o número de servidores públicos, mas, novamente, o ponto é que eles devem ser competentes, recrutados por mérito e devem trabalhar para a prestação de serviços públicos e desenvolvimento ordenado e sustentável. Se a reforma for sobre a distribuição de empregos como recompensa para os seguidores leais do partido no poder, ela se revelará um fracasso caro”, sintetiza.

Evitar o erro de Moçambique

Aslak Orre receia a forma e o modo como o governo tem estado a redesenhar a divisão administrativa do país e considera que falta explicar “porque é que isso era mais urgente” do que implementar as autarquias. “Se o plano agora é ostensivamente criar administrações municipais fortes para prestar serviços aos cidadãos, por que não fazer o mesmo para autarquias com liderança eleita, prestando contas à população local?”, indaga, aproveitando para perguntar aos juristas “se esta reforma contradiz a Constituição angolana”, já que ela “exige descentralização e autarquias”.

Por último, o investigador aconselha Angola a não cometer o mesmo erro que Moçambique, país onde a autarquização “começou mal”, porque o gradualismo tem “sido uma arma de manipulação nas mãos da Frelimo para garantir o seu controlo político”, já que deixou de fora zonas de influência da Renamo (o maior partido da oposição) e ainda não chegou aos distritos onde vive a maioria da população.

Um problema que Moçambique tenta mitigar com a proposta de criação de 12 municípios, que deu entrada na Assembleia Nacional, em Novembro. Com a sua aprovação, o país passará dos actuais 53 para 65 municípios. “Se a autarquização for vista pelos detentores do poder apenas como um mecanismo a ser manipulado para manter o poder a todo custo, a reforma fracassará. Felizmente, Angola tem a chance de aprender com os erros de Moçambique, e implementar de boa-fé as autarquias como ferramenta de desenvolvimento, sustentabilidade e democratização”, remata Aslak Orre.

ELEIÇÕES PARA O PODER LOCAL SÃO A MATRIZ NOS PAÍSES DA REGIÃO DE ÁFRICA AUSTRAL

A Namíbia é o país menos dividido territorialmente dos 7 analisados pelo Expansão. O país tem uma divisão administrativa, que se subdivide em 14 conselhos regionais e 57 autoridades locais unitárias. Ao contrário das eleições regionais, as eleições locais são determinadas pelo partido e não por indivíduos. Havia 57 autoridades locais a serem eleitas.

No Botswana, o governo local compreende 16 distritos administrativos (10 rurais e seis urbanos) e 23 sub-distritos, incluindo quatro autoridades administrativas. O poder local coabita com um sistema tradicional de aldeias chefiadas por um kgosi (chefe) que trabalha em cooperação com outras instituições distritais.

A Tanzânia é uma república unitária democrática com um governo central e um governo autónomo em Zanzibar. Na Tanzânia continental existem 25 regiões, 40 conselhos urbanos e 132 conselhos distritais rurais, enquanto em Zanzibar existem cinco regiões, quatro autoridades urbanas e sete conselhos distritais rurais. As autoridades governamentais locais (LGAs) são eleitas em regime de multipartidarismo desde 1995.

Na Zâmbia, há 99 autoridades locais supervisionadas pelo Ministério da Administração Local e Habitação e que consistem em quatro câmaras municipais, 15 câmaras municipais e 84 câmaras distritais. Existem também 10 províncias, que são puramente administrativas. O poder divide-se em duas esferas: nacional e o local. O governo local é eleito desde 1992, com base na Lei do Governo Local de 1992.

O Zimbabué é um país unitário com dois níveis de governos subnacionais, composto por 10 províncias e conselhos metropolitanos e 86 conselhos locais. De acordo com a Constituição de 2013, os conselhos provinciais/metropolitanos recebem mais poderes e maior independência do governo central, e 10 membros dos conselhos provinciais, bem como os seus presidentes, são agora eleitos democraticamente.

Fonte: Expansão

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